Higor 07/08/2014
Sobre vidas forçadas, e aparências que enganam
Para ser bem sincero, livros que abordam prostituição, exploração sexual e todo este mundo obscuro é bem interessante, embora as pessoas tenham receio de ler por ser algo bem pesado, que nos deixa desconfortável. É lendo livros como Belle que a gente analisa o mundo com outros olhos, fazendo com que reflitamos se tal prostituta está nessa vida, passando por tudo isso por livre e espontânea vontade.
Belle Cooper vive em um bordel e sua mãe, Annie, é a cafetina, mas ela não sabe disso, tudo porque Annie pretende dar uma vida diferente para a filha, de preferência longe de tal vida. Mas Belle presencia um programa seguido de assassinato de uma das garotas que moravam na casa, e então todo o mundo pavoroso que ela desconhecia veio à tona.
Como se não bastante ver o mundo, os homens e a si própria com outros olhos, o assassino vai à procura de Belle, com a intenção de silenciá-la. Como forma de punição, Belle não vai morrer e ter seu corpo descartado em um beco qualquer, e sim se tornar aquilo que sua mãe sempre impediu que acontecesse. Belle então é estuprada diversas vezes e mandada de um país a outro como se fosse uma simples mercadoria.
"Ela era apenas um produto para estes homens, como um saco de roupas, uma caixa de uísque. Além disso, poderia adivinhar para quem iriam vendê-la. Ela podia ter descoberto apenas recentemente o que eram os bordéis, mas sabia que estava indo para um. Logo, a verdade era que ela estava sendi vendida para ser uma prostituta."
Paralelo a isso, a família dela sofre com o sumiço e Noah Bayliss, um jornalista apaixonado pela prostituta assassinada, ficou comovido com a história e tenta de todas as formas possíveis encontrá-la, mas sabe que não será nada fácil. Nem mesmo a ajuda de Jimmy, um garoto apaixonado por Belle, poderá trazê-la de volta.
Lesley Pearse abordou tal assunto com maestria, aproveitando ainda para inseri-lo em uma Londres conservadora, de 1910, onde as ferramentas policiais eram escassas, as viagens eram feitas de navios ou carruagens, conexões entre países era uma lentidão, e a resolução de um problema demoraria meses para acontecer, devido à falta de tecnologia. Foi bem interessante ver como era difícil incriminar uma pessoa por um crime se não houvesse testemunha, ou quanto era desvalorizada uma pessoa por ser prostituta, onde os policiais não tinham o interesse em ajudar. Melhor ainda foi ver todo o processo de Belle, uma virgem abusada sexualmente para uma prostituta de alto escalão.
A descrição do lado pobre de Londres, Paris e Estados Unidos foi fascinante, cada um com suas características próprias. Nota-se também que a autora fez um excelente trabalho de pesquisa, tomando cuidado ao relatar fatos reais, como o Titanic, morte e ascensão de reis da Inglaterra na história.
Os personagens secundários não existem apenas para preencher lacunas, mas o passado de cada um é contado e você, ao ler o livro, fica dividido em quem sofreu mais, quem você não quer ver mais sendo pisoteado pelas circunstâncias da vida.
Belle nos tira da zona de conforto, e apesar de ser uma história fictícia, nos coloca em reflexão, pois exploração sexual é um tema super atual e real. A personagem principal não é perfeita, mas comum como a grande maioria das mulheres, que não necessariamente precisam ser prostitutas, mas que tentam acertar na vida, embora muitas das vezes precisem errar agora para depois acertar.
No final de tudo as aparências enganam. Ninguém conhece a vida de determinada pessoa e a julga sem ter ao menos noção do que passou para estar ali. Talvez ela seja corrompida por fora, mas por dentro tem uma inocência que ninguém poderá tirar, afinal, o mundo obscuro da prostituição - e não somente ele, mas tantas outras áreas decentes - fazem com que pessoas se tornem aquilo que, no fundo, nunca queriam ser.