spoiler visualizarGininha 17/06/2011
ANOTAÇÕES - A Menina que Brincava com Fogo
Licença poética é uma expressão usada entre os estudiosos de literatura para designar possibilidades de erros gramaticais e de sintaxe permissíveis em certos textos literários. Em sentido mais elástico, abrange também aquelas situações que não seriam aceitáveis fora do âmbito da literatura. É por isso que, muitas vezes, se diz, de uma situação prática: “até parece que foi coisa de novela”. No entanto, diz-se, também, sobre as novelas: “Às vezes a arte imita a vida“. Onde a ficção? Onde a realidade? Uma se confunde com a outra. Estou a divagar sobre os acontecimentos finais de “A Menina que brincava com Fogo”. Penso que se pode recorrer à licença poética para aceitar tal desfecho. Pessoalmente, gostei muito mais da adrenalina e do humor que passa ao longo do livro. Aqui, não faço uma resenha. Apenas destaco anotações de partes do livro que me despertaram o interesse mais detidamente, seja pela tal da adrenalina, seja pela força de descrição das situações boladas por Larsson Stieg. Seguem, pois, três exemplos do que me ficou como lembrança marcante do livro:
1. “A Menina que brincava com Fogo” começa a esquentar mesmo a partir da página 85, por ocasião da reunião de planejamento da Millennium, que ocorre toda segunda 3ª feira de cada mês. Até aqui, o autor está informando e atualizando a situação de Lisbeth Salander após a cena final do primeiro livro da série, bem como juntando peças que, ao longo deste segundo livro, e no momento certo, serão encaixadas. Nessa reunião da Millennium, o leitor é apresentado a um outro jornalista, além do Super Blomkvist. Trata-se do Dag Svenson, que faz, nessa reunião, referência a uma outra nova personagem, sua companheira e competente criminologista, Mia Bergman. O que sucede com esses personagens vai constituir o núcleo da história que justificará todo o desenrolar do livro até a página final, a 607.
2. Páginas 423-426 – O interrogatório do inspetor de polícia, Hans Faste, junto à surrealista integrante da banda ‘Evil Fingers’ é simplesmente hilário. Stieg coloca dois absurdos incompatíveis frente a frente, a surrealista roqueira e o, com licença da palavra que inventei, putafóbico e também misógino agente policial. Sobre esses dois, diz o Stieg: “O choque cultural foi comparável ao do primeiro encontro entre portugueses e índios caraibanos” – e por aí já se vê. O bom é que a roqueira detona, com ironia nem sempre sutil, o truculento inspetor. Ri muito com as curtas respostas-não respostas da garota gordinha e baixinha, de “cabelos negros compridos, com mechas vermelhas e verdes”, usando maquiagem preta,rodeada de equipamento de som de elevada performance. Uma situação dessa é bem plausível que aconteça. É raro, mas bem possível. Temos o Stieg cômico, aqui.
3. Lá pelas páginas 459 e ss -A luta entre o “gigante loiro” e o lutador de boxe Paolo Roberto. (Já com a escolha desse nome de artista de folhetim - Paolo Roberto -, imagino que o autor simpatizava com esse personagem, no momento de sua criação). O que destaco, aqui, é a riqueza de detalhes da sequência dos movimentos entre os dois contendores. E, também, novamente um outro tipo de absurdo: uma aberração da natureza – força bruta – contra a inteligência/arte (se assim se pode dizer) de um boxeador famoso e bem treinado. De lambuja, um terceiro personagem, também nessa luta, marcando outro tipo de contraste: a força masculina de dois machões versus a delicadeza e beleza da bela e lésbica chinesa Miriam Wu, que, apesar disso, é bamba em boxe tailandês e, nessa luta, foi responsável pelo único golpe (bem entre as pernas do grandão, ou seja, nas bolas dele mesmo) em que o gigante “viu estrelas”, o que permitiu ao ”atlético e cheio de palavrões (a nota cômica) Paolo dar um ponto final no gigantão, tascando-lhe uma táboa sobre a cabeça e, assim, conseguindo derrubá-lo. Quando li essa cena, parecia estar assistindo-a, ao vivo.Pareceu-me que o autor gosta de colocar forças antagônicas em choque umas com as outras. Aqui, o Stieg jornalista, bom na descrição dos fatos.
4. Quanto à licença poética, título desta espécie de resenha, fica por conta do finalzinho. Não é para se acreditar no que acontece, e sim, para se curtir. Ademais, nesse mundo louco, e, no nosso caso específico de país de maracutaias e malabarismos para se sobreviver, tudo é possível, não é mesmo?
Adorei o segundo livro dessa série.Tempo de leitura: de 7.6.2011 a 17.6.2011. Costumo agradecer e prestar tributo aos escritores que aprecio, por isso: Honra ao Larsson Stieg. Requiem in pax. Parto para o terceiro, agora.
Recife, 17 de junho de 2011. 19h10min.