Nara Leão 10/01/2017Um corajoso relatoLi este livro um pouca mais da metade quando tinha 14 anos. Naquela época a narrativa de Ishmael me chocou tanto que não tive coragem de terminá-la. Depois de 7 anos finalmente consegui. Mas confesso que não foi fácil como imaginei. Esse livro é o relato de sobrevivência de Ishmael Beah, que em 1993, aos 12 anos, arteiro e fã de rap foi alcançado pela guerra civil que havia se instalado em Serra Leoa. Obrigado a fugir, sem os pais e sem rumo, o garoto de sorriso contagiante nos mostra além dos horrores externos a ele, a luta que trava pra manter-se vivo e encontrar seus familiares. Em algumas partes, acompanhado por grupos de outros garotos, outras, solitário na floresta de Mattru Jong como sua companhia apenas o delírio de corpos mutilados, fome e esperança, Ishmael descreve pontos mais marcantes de sua jornada.
A primeira parte, (não existe uma separação definida) ele conta a fuga com os amigos e o irmão mais velho, logo depois de uma perseguição dos rebeldes ele se perde e passa semanas sozinho perdido em meio à floresta densa e quando não vê mais saída encontra outro grupo de garotos da mesma idade, que reconhece da escola em que frequentou. A partir daí ele e os outros garotos passam por aldeias desertas ou que pessoas não confiam mais em meninos como ele, afinal a maioria dos rebeldes tinham a mesma faixa etária.
A segunda parte (a parte mais chocante pra mim) é quando ele e outros meninos, incluindo alguns que estavam com ele no meio da floresta, são recrutados pelo exército para lutar contra os rebeldes. Lavagem cerebral, experiência de choque, alucinações, pesadelos, topor causado pelas drogas e pelas mortes de seus companheiros, fazendo de Ishmael um garoto sem inocência e com coração congelado, como ele mesmo descreve.
Porém as coisas mudaram a partir de 1996, após ser escolhido por seu tenente para participar de um projeto da Unicef de reabilitação para jovens. Aos 16 anos, Ishmael é enviado para um complexo de reabilitação na capital Freetown. Desconfiado de toda boa intenção e em processo de abstenção das drogas, ele se vê entre outros jovens como ele, marcados pela guerra. Sem perspectiva de por onde começar sua nova vida, quando se permite ser ajudado por uma enfermeira do complexo. Após reabilitado e escolhido para ser porta voz juvenil de seu país pela Unicef, Ishmael Beah descobre outra realidade. Viaja para Nova York, conhece outros jovens e crianças que estiveram ou ainda estão em risco de vida por causa de conflitos em seus respectivos países.
O livro poderia muito bem ser uma ficção de tão bem detalhado, infelizmente não é. O jovem autor nos descreve horrores que o ser humano pode fazer quando está envaidecido pela raiva e vingança. E quanto se perde os valores quando não há mais um ideal de beneficiar o todo. A leitura é muita densa, difícil na maioria das páginas, engoli seco nos últimos capítulos de medo e horror. No entanto, apesar de tudo é uma leitura muito produtiva, nos traz tristeza, mas também alívio por saber que hoje, Ishmael Beah pode contar sua história de um local seguro.