Lethycia Dias 01/09/2020Travessia encantadoraAnos atrás, ainda adolescente, tentei ler "Grande Sertão: Veredas". Parei nas primeiras páginas, sem conseguir entender nada. Mas sempre tive a vontade de retornar ao livro com mais paciência e maturidade, para tentar ler até o fim. A oportunidade surgiu este ano, quando encontrei o e-book numa promoção. Assim, me joguei numa "travessia" que durou mais de um mês pelas páginas dessa história.
No início, tudo soa estranho. O vocabulário desse livro é a primeira dificuldade de quem começa a ler. Mas insistindo um pouco, percebemos que o narrador conversa com alguém. Seu interlocutor, um homem da cidade, instruído, ouve a história de um homem simples do sertão de Minas Gerais. Esse interlocutor tem suas falas omitidas, e só por algumas indicações ocasionais, quando o narrador-personagem se dirige diretamente a ele, é que percebemos sua presença.
Riobaldo, o narrador, começa a contar sua vida como jagunço de forma não-linear, e interrompe a narrativa para narrar "causos" que ouviu e coisas que presenciou, que têm relação direta com suas principais inquietações: a existência ou não do demônio, e a possibilidade de se fazer com ele um pacto. O motivo de tão grande preocupação, descobriremos depois. Mas está também ligado à lembrança do amor de Riobaldo por seu amigo e companheiro de jagunçagem, Diadorim. Um amor que Riobaldo nega e questiona em alguns momentos e assume em outros.
A escrita desse livro reproduz a fala coloquial da região em que a história se passa, mas também se mistura a neologismos e expressões criadas pelo próprio autor, e é o que torna tão difícil a compreensão. Apesar disso, quando nos acostumamos com a linguagem, e compreendemos o que se passa, a leitura se torna muito bonita. Várias passagens são extremamente poéticas e profundamente filosóficas. E, se há trechos com palavras que não podemos compreender por não conhecer um termo correspondente, conseguimos sentir o significado - e isso foi o que mais me tocou nessa leitura.
Fui bem lenta nessa leitura, mas sem me preocupar muito. Meu maior interesse era aproveitar a trajetória quase épica de Riobaldo e tentar compreendê-la o melhor possível. Admito que não consegui. Algumas questões só ficaram mais fáceis para mim quando li os textos de apoio do final, que fazem excelentes análises do livro. O material de apoio dessa edição é extenso, porém muito necessário - fornece um complemento que enrique ainda mais a leitura.
Terminei o livro com a sensação de que ainda vou precisar ler outras vezes para compreender de todo. Mas foi uma das melhores leituras que fiz este ano, e por isso recomendo muito.
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