Analuz 13/06/2021
É complicado fazer uma resenha simples ou curta sobre um livro tão denso como "Jane Eyre".
A autora Charlotte Brontë integra o trio das irmãs escritoras composto por Charlotte, Anne e Emily, tendo as 3 publicado suas obras sob pseudônimos masculinos, por razões óbvias da mentalidade do século em que viviam. Ainda, como fruto do seu tempo, todas tiveram vidas curtas, sendo Charlotte aquela que teve uma vida mais longínqua, falecendo aos 38.
Em "Jane Eyre", a autora relata muito da sua própria realidade, imprimindo elementos autobiográficos na narrativa da protagonista. Com isso, tem-se uma personagem que passa parte da vida em um sistema de internato e também é possível ver reflexos de uma vivência altamente cristã em várias passagens (fruto do período em que a obra foi escrita, uma vez que é preciso entender o contexto da época de produção do livro).
Se eu for resumir o livro em uma frase, esta definitivamente seria: "a mulher só sofre!", pois acreditem... muitas desgraças acometem a vida da pobre Jane Eyre! E vemos isto desde os primeiros relatos da sua infância até sua vida adulta, já que se trata de um romance de formação.
Ainda criança, a pobre Jane é vítima de maus tratos, estes infringidos pela esposa de seu falecido tio. A viúva simplesmente não suporta a criança e se vê com a obrigação de criá-la após a morte do marido e, em consequência de seu comportamento, seus próprios filhos (primos de Jane Eyre) também não são as crianças mais adoráveis com a prima, que mora de favor na mansão da família. Por aí, já se pode perceber que a garota não cresceu em um ambiente saudável, sendo desprovida do mínimo de afeto. Aliás, o máximo de carinho que pobrezinha recebe chega aos 45 do segundo tempo, através de uma empregada da tia, quando a dona da casa arranja um jeito de se livrar da menina ao enviá-la para um internato (uma escola que, na verdade, funciona também como um orfanato).
A própria instituição para a qual a garota é mandada, que teria tudo para ser a sua salvação da tia maléfica, mostra-se apenas um outro cativeiro. Trata-se um ambiente inóspito, sendo regido a mãos de ferro por um líder religioso de pensamentos arcaicos. Mas é claro que, em meio a tantas situações desfavoráveis, Jane encontra algumas amizades e desenvolve suas habilidades, chegando a se tornar professora do local, após atingir certa idade.
Porém, em determinado momento, Jane percebe que não quer passar o resto da vida como uma professora de internato e decide se tornar preceptora. Com isso, põe um anúncio local, na esperança de ser contratada. E eu posso dizer que é a partir daqui que a história deslancha de fato, tendo toda a narrativa antes disso se tratado de uma longa introdução para nos apresentar à personagem.
Eis que o anúncio rende frutos e ela se torna a professa particular de uma adorável garotinha francesa chamada Àdele, que vive como protegida em uma mansão para lá de misteriosa, cujo dono, o sr. Rochester, Jane só virá a conhecer muito mais tarde, e com o qual virá a ter diálogos muito interessantes.
É perceptível que a autora não poupa esforços para apontar os dois personagens como desprovidos de beleza em diversos momentos do livro. Ainda que sempre dê um jeito de mencionar suas outras qualidades, Charlotte Brontë não economiza nas passagens em que os atributos físicos dos personagens são diminuídos.
Jane é apresentada como uma personagem muito bondosa, resiliente e, acima de tudo, honrada! Digo isso porque vemos, no decorrer da história, como ela coloca os preceitos morais instituídos pela sociedade e pela cristandade acima da própria felicidade, nunca deixando de pensar nos outros e sendo desprovida de rancor (o que pode incomodar alguns leitores).
"Jane Eyre" é um romance vitoriano e, acima de tudo, um romance gótico. Então sim, a obra carrega elementos destes estilos, tendo, inclusive, um pezinho no sobrenatural em alguns momentos, já que a protagonista tem pavor de fantasmas e até os imagina em certas passagens. E, também, pode-se notar características consideradas meio "viajadas" para os padrões atuais, típicas dos romances vitorianos.
A leitura da obra é relativamente lenta, talvez por ser um livro longo. Com isso, considerei o livro morno, ainda que haja passagens mais dinâmicas (o que não significa que seja ruim! Aqui me atenho apenas ao ritmo de leitura!).
A meu ver, "Jane Eyre" é um livro sobre personagens. Você é apresentado à protagonista, sente os dramas pelos quais ela passa e concorda (ou se indigna) com suas atitudes. O mesmo se aplica ao sr. Rochester, um personagem sem meios termos: ou você gosta dele ou não (devo dizer que faço parte do time dos que não gostam dele, mesmo que eu entenda o contexto da época em que a obra foi escrita e saiba que minha visão é nublada por uma leitura realizada com a mentalidade de 2021).
Então fica aqui o meu aviso: "Jane Eyre" é um livro muito bom, mas cujas escolhas narrativas da autora refletem o período em que o livro foi escrito. Então sim, isto deve ser levado em consideração para se entender as atitudes dos personagens, os elementos "sobrenaturais" inseridos, os diálogos repletos de referências literárias e bíblicas (principalmente) e também o seu ritmo mais lento em alguns momentos.
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