spoiler visualizarGabriela Santana 05/01/2017
Resenha crítica
Escrevi para o trabalho na disciplina ‘Literatura Brasileira Contemporânea’, que faz parte do meu curso de Letras.
O livro aqui analisado é uma obra de ficção mas, ao mesmo tempo, autobiográfico. A autoficção é uma característica bem marcante em todo o livro, em que o próprio autor justifica a existência de uma autoficção na coluna, na Folha de São Paulo, intitulada “Autoficção e Mamadeira”:
“[...] Não importa literalmente o que é fato ou criação. A fronteira é sempre porosa em algum nível. Se conto uma história de 20 anos atrás, ela vira parte de uma narrativa que, ao contrário da vida, aponta para um sentido: acontecimentos serão distorcidos, inclusive no nível mais básico da linguagem, para soarem dramáticos, trágicos ou cômicos.”
A queda refere-se a algo real, físico, palpável. Há várias quedas, como a queda de João (um gói judeu, que significa um não-judeu), que propositalmente o machucou fisicamente, e também psicologicamente, pois depois desse tal acontecimento,a outra queda do narrador ocorre quando o próprio pai o bate porque João quer mudar de escola, criando nele o desprezo pelo Holocausto. Todas essas quedas marcando o princípio de uma cadeia de pensamentos e traumas que vão acompanhar o narrador o restante da vida.
O autor cita livros conhecidos como “É Isto um Homem?”, de Primo Levi. É um livro muito denso, mas é diferente do “Diário da Queda” porque ele é um livro com temas bem conflituosos, mas abordados com leveza, mesmo falando sobre um tema tão triste e violento como o Holocausto.
O livro nos faz pensar sobre os impactos desse acontecimento de forma atual e bem introspectivo, narrando não os danos feitos a quem vivenciou (como o Primo Levi), mas sim os danos psicológicos de quem convive com as vítimas dessa tragédia. Os danos, principalmente do seu avô, levaram a um desencadeamento de problemas pela herança familiar, levando ao sofrimento e também um despertar para um novo modo de enxergar o mundo e continuar a viver sem pensar tanto no Holocausto, aprendendo assim a conviver com esse fantasma histórico.
A abordagem do passado e presente no livro e feito por listas e notas (sendo as 3 notas bem mais misturadas do que o restante do livro), mencionando o alcoolismo com os acontecimentos da pré-adolescência junto com o Auschwitz e como afetou a relação familiar, em 3 gerações seguidas. Aparenta ser confuso no começo, mas lendo entende-se que o autor escreve como as pessoas pensam, como um fluxo de pensamento, como um acontecimento que desencadeia lembranças, havendo assim um sentido na narrativa, uma linearidade de pensamentos, uma ligação dos fatos com o modo de ver o mundo.
Há vários períodos muito longos, mas a leitura não se torna cansativa e nem monótona. Michel Laub conquista pela sua sinceridade (seja pela escrita, seja pelos acontecimentos narrados), seu egocentrismo se centraliza em cada um, as angústias são identificáveis e a autorreferência é uma referência também a nós mesmos. “Diário da Queda” é sensível, impactante e indagador, nos faz pensar nas nossas relações e na herança que a gente carrega das pessoas próximas.