Vania.Cristina 13/05/2024
Sutil, delicado e apaixonante
Conhecido clássico da literatura infanto-juvenil inglesa, esse livro foi escrito quando a Inglaterra ainda era dona de um império e de colônias.
É importante ter esse contexto em mente durante a leitura, porque o livro é fruto dessa época, e por isso o linguajar dos personagens pode parecer racista, em alguns (poucos) momentos. O livro sutilmente fala do preconceito e do segregacionismo, mesmo que sem profundidade.
A protagonista da história é Mary Lennox, uma menina de dez anos, nascida na Índia, filha de um funcionário do governo inglês. Ignorada pelos pais, Mary é tratada pelos criados nativos de uma forma extremamente servil e distante. Tem tudo o que quer e torna-se uma criança arrogante, mimada, sem limites e profundamente solitária.
Um dia, um surto de cólera atinge a Índia e os pais de Mary morrem. Os poucos empregados que sobrevivem fogem e a deixam sozinha, até ser resgatada pelas autoridades.
A partir daí, a vida de Mary muda drasticamente. Ela é levada para viver com o tio na Inglaterra, numa mansão de seiscentos anos, cercada de jardins. Para os ingleses, Mary é apenas uma criança da exótica colônia. A menina é recebida pela governanta com rigor. Será abrigada e cuidada mas terá que se virar sozinha, com limites que nunca teve antes.
O choque cultural é imenso. O ambiente é totalmente diferente, com hábitos, formas de agir e falar, clima... tudo totalmente novo.
Se a governanta é distante e seu tio é mais um adulto ausente, por outro lado é na mansão que a menina conhece pessoas simples que irão fazer uma enorme diferença em sua vida: a jovem criada, o jardineiro ranzinza e o menino encantador de animais.
A capacidade de resiliência de Mary se revela potente. Em contato com a diversidade cultural e natural, ela cresce como pessoa e começa a aprender o valor das coisas que, de fato, são importantes.
Nos jardins que cercam a mansão, a menina aprende a brincar e a explorar a natureza de uma forma saudável. Mesmo quando sozinha, não se sente mais solitária como antes.
Nos relacionamentos que estabelece com as pessoas simples do lugar, Mary encontra uma sabedoria imensa. Passa a refletir sobre tudo e a se deixar guiar pela curiosidade infantil. Se espelha nos outros, busca semelhanças e diferenças, e assim aprende sobre si mesma.
Quanto mais experiencia, mais descobre como viver intensamente a própria infância.
Alguns lugares são proibidos a Mary, dentro e fora da mansão. Ainda existem segredos... Durante a noite, Mary escuta choro de criança que ninguém quer explicar. Além disso, os criados falam sobre um antigo jardim escondido, que ninguém sabe onde fica.
Quando Mary desvenda esses segredos, ainda estamos no começo da história, e muito está por acontecer. Seus encontros e descobertas a transformam, e uma vez que se tornou uma criança mais aberta ao mundo, ao seu redor e a partir dela as coisas passam a se transformar também.
Esse é um clássico extremamente fluido e encantador, que tem muito mais a dizer do que pode parecer num primeiro momento.
Aqui tudo é sutil e delicado, inclusive a magia. Ela aparece discretamente nas relações que as crianças estabelecem com os animais e com as plantas.
E não apenas... No livro, a magia também está no poder das palavras e dos pensamentos, na força transformadora que é o contato com a diversidade, no encontro profundo com o outro, e na simplicidade do povo.