Renata (@renatac.arruda) 11/01/2022
Dizem que é impossível matar uma ideia. Mas e se houvesse uma realidade em que coisas - objetos, seres vivos, partes do corpo, sentimentos - simplesmente desaparecessem e, com elas, a memória de um dia terem existido? É possível haver uma existência sem memória, sem passado? É possível seguir a vida como se nada estivesse acontecendo?
São as perguntas que ficaram após a leitura de A Polícia da Memória, traduzido por Andrei Cunha, um romance melancólico e alegórico que fala sobre repressão e perseguição e o quanto viver sob um regime autoritário desumaniza as pessoas, suga suas almas e deixa ocos os seus corações.
Enquanto a maioria dos habitantes da pequena ilha encara o desaparecimento das coisas com uma resignação e uma naturalidade avassaladoras, há aqueles que não esquecem e, por isso, precisam viver escondidas da Polícia da Memória, que faz varreduras frequentes em busca de objetos proibidos e pessoas cujas lembranças permanecem intactas para que sejam eliminados.
Durante a leitura, lembrei daquele famoso poema de Brecht, Intertexto, que fala sobre a indiferença, com a diferença de que, se no poema o narrador termina sozinho, no livro as coisas caminham para o rumo da total extinção. As personagens simplesmente vão vivendo a própria vida, enquanto a população diminui, a locomoção se torna cada vez mais difícil, a comida fica escassa e o inverno parece não ter mais fim.
Mais do que fornecer explicações, Yoko Ogawa parece querer colocar perguntas. E fica a cargo do leitor utilizar a sua imaginação para encaixar as peças do quebra-cabeças e formar um quadro que faça sentido. No final, nos deparamos com uma imagem muito parecida com a do mundo real.
"Lembro-me de já ter ouvido a seguinte frase: 'Pessoas que queimam livros, um dia queimarão pessoas'."