Barbara.Luiza 24/06/2021Nascer mulher traz consigo muitas marcas, mas há marcas que o mundo nos dá sem que queiramos e há marcas que talhamos a faca, para não nos esquecermos ou para nunca mais lembrar.
É assim a história de Alelí, peruana de origem quechua. Sua história começa quando termina, no acidente de Yungai em que toda uma vila foi soterrada por um deslizamento. Nessa vila sua filha, companheiro e pais.
Abandonada pelo estado e sem raízes, ela desce a América do Sul indiferente as ditaduras latino americanas, as mães da praça de maio, as lutas dos povos indigenas.
Em Belo Monte, no Pará, ela deixa uma filha para que não recaia sobre ela sua maldição. Essa filha é Maria Altamira, meio quechua, meio yudjá, disposta a enfrentar a tudo e a todos contra a construção da usina hidrelétrica na cidade em que nasceu.
Nesse romance, Maria José Silveira nos apresenta uma breve história latino-americana no qual o leitor vai desvendando os fatos históricos através do véu de indiferença de Alelí até chegar na militância ingênua de sua filha e a história que já sabemos: a derrota dos povos indígenas após mais de 30 anos contra a construção da usina de Belo Monte no alto do Rio Xingu.
A pesquisa por trás do livro é muito bem feita e pouco transparece ao leitor, das ditaduras no continente até as lutas por moradia na capital paulista é apenas na última que o caráter didático transpareceu na minha leitura. As personagens, em suas complexidades sociais intrincadas não pedem licença ou desculpas a moral pequeno-burguesa, existem apesar e contra ela.
Com densidade histórica e emocional, Maria Altamira é um romance sobre mulheres que mesmo de pés descalços caminham pelo solo da América Latina, com sua música, seus amores e a disposição de deixar também nesse solo as marcas dos seus pés.