Vilamarc 15/05/2022Meu Top 1 desse ano (2022)Voltei aqui para postar minhas impressões dessa leitura. São comentários aleatórios que fiz sobre o livro numa conversa do wpp.
Os sons que saiam da junção desses dedos-cordas se espalhavam, deixando rastros invisíveis que a levavam junto, sensores tateantes à procura de alguma paz. P. 42
No Samba da Bênção, Vinicius de Moraes diz que pra fazer um samba precisa de um boca de tristeza.
Foi exatamente pela tristeza da musica andina que fui fisgado por essa leitura...
Dizem que depois que o NE dobra o Brasil na curva de Mossoró, se aproxima mais do Caribe do que da América Andina. E eu acredito que aí resida de minha parte esse fascínio pela cultura dos povos andinos.
E eu amei a viagem de Aleli Culebra pela história recente desses países.
Amei essa junção de cacos da história como uma colcha de retalhos, que aproxima essas nossas realidades.
Percebi que ela mesma foi se construindo como herdeira dessas vivências, de sobrevivente, de migrante, de expoliada, expulsa, perseguida, uma mulher sem lugar...
Amei a entrada dela do Paraguai ao Brasil feita também pela música que vai se transformando das guaranias em sons de berrante e cantos indígenas... perfeito!
Acho que esse livro todo é muito triste, mas que foi entregue totalmente de forma poética. Tem o lado belo, olhar sensível sobre tudo de bom que existe em nossa terra mas que sempre sucumbe a ganância e aos poderosos.
Até na despedida de mãe e filha no final, existe uma dose de poesia na morte sempre espreitando cada um em cada esquina. É de uma forma que é destino, sina...
Eu amei cada linha, cada capítulo, me emocionei muito durante todo o livro e continuo me emocionando.
Achei os personagens todos de uma altivez, de uma estatura humana formidável. Muito bem construídos.
E situar o enredo na questão de Belo Monte foi formidável. Décadas de luta contra os interesses do capital. Que nos ajudam a refletir mesmo sobre a questão ambiental.
Creio que o livro só confirma as questões sobre o PA que temos visto em outros romances. Grilagem, mineração clandestina, desmatamento...
Eu particularmente gosto muito dessa literatura antropológica, que traz costumes indígenas não de forma folclorizada (toda aldeia é igual), mas que apresenta as especificidades das etnias.
Por isso gostei muito do Nove Noites. Lá o autor mostra inclusive tribos dizimadas por outras tribos. Tribos que cultuam a morte e tribos que tocam o terror na selva.
Essa especificidade da cultura da água, do rio, do nado e do mergulho, da pesca, das correntezas... me deu uma outra perspectiva dos povos do Xingu. Acho isso muito importante. Saber da violência que foi o represamento das águas.
Lembrei muito das cidades do baixo SFco. Que como diz Djavam morrem de sede frente ao mar.
Pense na tragédia. Acreditar que traz morte a quem ama. O terremoto e o soterramento são tragédias naturais, mas antes disso foi são mazelas sociais.
E por isso levar uma vida errante, sem laços afetivos.
A imagem "feia" e agressiva de Aleli creio ser uma forma de repelir as pessoas. Uma forma de autocomiseração.
Mas me impressionei com isso, porque independente de sua imagem, ela atraía as pessoas de bem. Ela tinha luz própria que vinha a meu ver de sua arte.