Nathaniel.Figueire 20/05/2022Como os anteriores: ótima especulação científica, péssimos personagens (mas agora com o "plus" de machismo escancarado)Não sou nenhum grande conhecer de física, especialmente essas complexas teorias contemporâneas, mas sabendo o que eu sei a partir da série Cosmos (do Carl Sagan e do Neil deGrasse Tyson), creio que uns 70% do que o autor especula aqui eu consegui entender. Os outros dois livros da série, "O problema dos três corpos" e "A floresta sombria", possuem partes pesadas, mas esse último livro definitivamente faz a série estar no subgênero "hard" da FC.
Nesse último livro, a especulação científica ocupa grande parte da narrativa. Aqui o leitor terá que forçar sua cabeça para imaginar o que o autor conjectura como possível de tecnologia e compreensão do cosmos a partir da teoria das cordas, da física quântica etc. Sua imaginação nos leva a repensar problemas como a questão dos buracos negros, da matéria escura e da existência do universo em múltiplas dimensões. Há também problemas mais clássicos já bastante explorados no gênero, como as possibilidades teóricas de deslocamento na velocidade de luz (ele aposta em algo semelhante ao velho motor de dobra, Star Trek manda abraços), problemas da dilatação temporal etc.
O que acontece quando um ser quadrimensional passa para a tridimensionalidade? E quando um ser tridimensional passa para a bidimensionalidade? E se um efeito físico conseguisse diminuir a velocidade da luz em uma grande quantidade de espaço, como nossas tecnologias funcionariam? Esse tipo de exercício imaginativo que o autor propõe em "O fim da morte" é o ponto alto do livro.
No fim, vai ficando claro outra coisa que gostei muito: nesse universo, os verdadeiros "caçadores" da floresta sombria são civilizações que conseguem manipular e dobrar as leis da física de forma a fazer delas armas de guerra. Destruir completamente uma dimensão, alterar elementos básicos da natureza (será mesmo que a luz sempre correu na velocidade de 299.792458 m/s?), tudo para sobreviver. Além disso, nós, essas pequenas entidades entrópicas de vida baseadas em carbono, somos menos que uma pulga na imensidão temporal e especial do universo. Eu acho bom ler histórias que lembram o quão pouco compreendemos sobre o universo e sobre nossa real posição dentro dessa imensidão chamada cosmos.
Quanto ao desenvolvimento dos personagens, o autor voltou ao padrão próximo do primeiro livro: extremamente superficial. A personagem que mais aparece nesse livro, Cheng Xin (seria uma protagonista?), é completamente sem sal. Se não é uma folha em branco aleatória como Wang Mio de “O problema dos três corpos”, é uma personagem rasa: uma órfã bonitinha que tem alguma talento para a Física e um dia descobre que seu colega de universidade (que ela mandou em forma de cérebro para os trisolarianos) era apaixonado por ela, começando assim sua busca em reencontrar esse amor perdido através da imensidão do tempo e espaço... Ai, ai, que interessante... Enfim, ela na verdade acaba funcionando na narrativa como uma âncora para ligar os grandes saltos de tempo que ocorrem no decorrer da história, mais nada.
O pior para mim nesse livro é a opinião que surge na narrativa sobre a mulher e os valores ligados culturalmente ao feminino. Quando a tática de dissuasão não funciona mais contra Trisolaris, qual é o problema? A excessiva "feminilidade" que a humanidade desenvolveu na Era da Dissuasão, o aspecto "anima/receptáculo" que a mulher Barreira Cheng Xin tinha, incapaz de tomar uma decisão "animus/agressiva" como o homem Barreira Lou Ji. Quem acaba tomando uma decisão fundamental que impediu a humanidade de alcançar a velocidade da luz (que no fim descobrimos que poderia ter salvo a humanidade da "bomba" bidimensional)? Novamente Cheng Xin, que como uma pessoa passiva e incapaz de sacrificar, protege a humanidade como uma “Virgem Maria”.É machismo explícito, sem questionar absolutamente nada dos estereótipos de gênero e suas construções culturais. São as marcas da subjetividade autoral na história, lembrando que o autor concorda publicamente com ações tenebrosas do Estado chinês, como os campos de concentração uigures (o que faz muitas pessoas largar a obra).
Estamos no século XXI, não creio que podemos simplesmente deixar esse tipo de asneira passar em branco. “Ah, mas no fim os personagens concluem que essa foi a forma que a humanidade escolher viver, com compaixão, blablabla”. Não, cara, o que ele na real ele contou para nós foi uma história sobre a humanidade se extinguindo porque agiu coletivamente de forma "feminina" e, na moral, isso é muito machista, como se o que faltasse para a humanidade perseverar fosse uma atitude mais "masculina"… Blergh!
Assim, como muitos já escreveram aqui, se havia alguma dúvida, esse livro deixa a certeza: é um engenheiro tentando escrever literatura. Ótimas ideias na especulação sobre a ciência, desenvolvimento de personagens para lá de sofrível, opiniões totalmente equivocadas sobre questões sociais sensíveis. Pelo menos o final não foi completamente otimista (eu já estava ficando com medo de que ia acabar tudo bem…), já que a narrativa fecha com a “protagonista” indo testemunhar o fim do universo (e o possível início de outro a partir desse final).
Na minha avaliação final da trilogia, acho que é uma boa leitura para fãs de ficção científica que querem conhecer mais sobre o que se escreve e se lê hoje no gênero (aqui no Brasil, parece que os leitores de FC estão presos na Era do Ouro ). Porém, não recomendaria a leitura para quem busca qualidade literária ou simplesmente não tolera discurso machista sendo justificado como natural por elementos da narrativa.