Leonardo 04/07/2011
Por trás de um fato corriqueiro, uma obra-prima nacional
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Um homem recebe, logo no início da manhã, um ultimato do leiteiro: se não pagar no dia seguinte os 53 mil réis que lhe deve, cortará o fornecimento do leite. Ao longo de 24 horas é narrada a trajetória do homem em busca desse dinheiro.
Assim, em duas linhas, pode ser resumida a trama do romance Os Ratos, publicado em 1935.
Mas há muito mais. A inquietação e a angústia do Naziazeno são tocantes, e confesso que, à medida que ele ia caminhando, deixando de lado almoço e janta, à procura de um meio de saldar a sua dívida, eu ia me cansando junto com ele. Ao final do dia, quando ele praticamente já não tem forças para continuar, eu igualmente sentia-me modorrento, torcendo para que o sofrimento dele chegasse a um fim.
Mais do que narrar o tour de force do funcionário público, que recorre ao chefe, a agiotas, a amigos, ao jogo para saldar sua vida, Dyonélio Machado nos apresenta um personagem rico, do qual pode-se dizer, ao final do livro: eu o conheço bem. Ressalto isso porque o escritor não emprega uma linha sequer para dizer: Naziazeno É assim, Naziazeno É assado. Ao invés disso, ele mostra o que Naziazeno FAZ, e por conta disso o conhecemos. Exemplo emblemático disso, ao meu ver, é o que ele faz após o resultado da sua primeira jogada no Cassino.
Eu havia lido os ratos provavelmente há 15 anos aproximadamente e, como acontece com quase todos os livros que li nessa época, de quase nada me lembrava. A releitura se mostrou deveras proveitosa. É uma pequena obra-prima. Escondido no desafio dos 53 mil réis há uma preciosa análise de um ser humano, de uma sociedade inteira, do sistema político, do Estado. E além disso, a leitura é prazerosa. O que querer mais?