Leila de Carvalho e Gonçalves 12/07/2018
A República De Gilead
?Alguns livros assombram o leitor. Outros assombram o autor. O Conto de Aia consegue fazer os dois."
É dessa maneira que a canadense Margaret Atwood se refere ao seu sexto livro, considerado um clássico da literatura contemporânea. Publicado em 1985, também é um sucesso de vendas que já virou ópera, filme, seriado e até conseguiu a proeza de ser banido de algumas escolas norte-americanas por conta de sua visão distópica e atemorizante do futuro, baseada numa miscelânea de correntes ideológicas que fazem parte de nosso dia a dia.
Em linhas gerais, "O Conto da Aia" trata-se de uma ficção especulativa e não deve ser taxado de ficção científica. Em sua narrativa não há monstros, naves espaciais ou coisas que ainda não podemos fazer; mas aquilo que temos à mão de uma forma jamais reunida.
Retratando uma época não muito distante, seu cenário é a República de Gilead, localizada no estado de Massachussetts e fundada por fundamentalistas religiosos após o assassinato do Presidente dos Estados Unidos e de todo o Congresso, num atentado terrorista atribuído a um grupo terrorista islâmico.
Esta região, poluída por substâncias tóxicas, apresenta uma taxa de natalidade reduzida a um nível alarmante. Para contornar o problema, algumas mulheres saudáveis e em idade reprodutiva, passaram a ser recrutadas pelo Governo com o propósito de gerar bebês perfeitos para uma elite rica e sem filhos. Chamadas de Aias, elas são afastadas de suas famílias e encaradas como um objeto a serviço de uma sociedade cada vez mais distante da ciência e da igualdade de direitos. Se bem sucedidas, no final da missão, elas são destinadas aos serviços domésticos, as Martas, todavia, se falharem, o destino reservado é a morte.
Quem narra essa história é uma Aia nomeada Offred (de Fred, nome de seu Comandante). Ela relata sua experiência neste novo papel, pois nasceu e foi criada antes da instalação de Gilead. Separada do marido e da filha, sua tenacidade e esperança de reencontrá-los são comoventes. Também é impactante a maneira como Atwood apresenta um mundo caótico em reconstrução em que a corrupção, o mercado negro e as forças inimigas ainda conseguem se infiltrar apesar do rígido controle.
Com um desfecho bem tramado, demorei para ler "O Conto da Aia", pois sua história ao mesmo tempo que me atraía, também incomodava. Precisei pausar algumas vezes, no entanto sua leitura é essencial para refletir sobre o mundo que vivemos e aquele que estamos engendrando. Densa, triste e cruel, a narrativa não poupa o leitor.
Encerro com uma mensagem de desobediência e resistência deixada por uma aia: "Nolite te bastardes carborundum", isto é, "Não permita que os bastardos reduzam você a cinzas".