Marina 08/08/2020
"Vidas Secas" retrata episódios soltos da vida de uma família de retirantes sertanejos que sofrem com a seca no Nordeste. Ao longo do livro, conhecemos um pouco mais sobre as personagens, seus anseios, medos, costumes e a realidade crua que enfrentam (não só pela seca, mas pelas injustiças sociais).
Graciliano Ramos é o mestre do neo-realismo brasileiro. O livro é curtinho, as cenas cotidianas são simples, mas a dureza das situações, a veracidade das personagens e o seu desejo de uma vida melhor conseguem marcar profundamente o leitor.
Sinhá Vitória é inteligente, otimista (quando estão na fazenda, ela considera que têm uma "vida boa"), e tudo o que anseia na vida é uma cama confortável. Fabiano é um bom homem, que gostaria de ser importante como seu Tomás da bolandeira. O menino mais novo só quer ser como Fabiano e conquistar a admiração do pai e do irmão. O menino mais velho quer conhecimento, entender as palavras difíceis e compreender por que batem nele quando pergunta demais. A cachorra Baleia é feliz caçando preás.
Constantemente, o autor descreve os membros das famílias como animais. E Baleia, a cachorrinha, tem pensamentos e atitudes similares às humanas. Assim, o autor consegue passar para o leitor essa animalização sofrida pelos retirantes, que trabalhavam muito, viviam com medo e recebiam quase nada. As crianças não têm nome, a cachorrinha sim. Para completar, nenhum deles conseguia expressar bem o que pensavam: pouco falavam e sua comunicação dependia muito de gestos e grunhidos. Nesse constante jogo, vemos como os 5 membros da família estão no mesmo "nível" de (pouca) humanização.
"O único vivente que o compreendia era a mulher. Nem
precisava falar : bastavam os gestos. Sinha Terta é que se
explicava como gente da rua. Muito bom uma criatura ser
assim, ter recurso para se defender. Ele não tinha. Se
tivesse, não viveria naquele estado".
"Ela (Baleia) era como uma pessoa da família: brincavam juntos os
três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia
do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o
chiqueiro das cabras".
Fabiano reconhece "o seu lugar". Percebe que é pobre, sem instrução. Mesmo assim, compreende que é injustiçado: que o "soldado amarelo" o maltratou sem motivo, por abuso de poder; que o patrão rouba parte do que ele ganha, por achar que ele não sabe fazer contas ou não tem direito de reclamar. Eles são como animais e são tratados como animais, mas não podem fazer nada. Precisam aceitar o pouco, para não passar necessidade.
"Tinha vindo ao mundo
para amansar brabo, curar feridas com rezas, consertar cercas
de inverno a verão. Era sina. O pai vivera assim, o avô
também. E para trás não existia família. Cortar mandacaru,
ensebar látegos - aquilo estava no sangue. Conformava-se, não
pretendia mais nada Se lhe dessem o que era dele, estava
certo. Não davam. Era um desgraçado, era como um
cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens
ricos ainda lhe tomavam uma parte dos ossos? Fazia até nojo
pessoas importantes se ocuparem com semelhantes porcarias".
SPOILERS :)
Ainda assim, o livro termina com a família novamente indo embora, à procura de uma vida melhor. Fabiano e os outros sabem que não são animais. Que são pessoas, são fortes, são bons e merecem ser felizes.
O livro acaba, de certa forma, como começou. No começo, a família tinha perdido um pássaro. Agora, partem sem Baleia.
É triste pensar no livro como uma narrativa cíclica, e que a família apenas achará outra fazenda para viver porcamente até a nova seca. Desta vez, prefiro acreditar que chegarão a uma pequena cidade e o sonho de que as crianças estudem e de que tenham uma boa velhice se realize. O autor deixa claro, no final, que esse sonho é o de muitos retirantes e são muitas as cidades cheias de gente trabalhadora e forte que teve que fugir do sertão.