GilbertoOrtegaJr 12/02/2016Kafka à beira-mar- Haruki MurakamiEntre minhas amigas, que gostam de Haruki Murakami, existe um desentendimento, ou melhor falta um consenso, sobre qual é o melhor livro do escritor japonês Haruki Murakami: uma prefere o livro com viés mais realista do autor, como Norwegian Wood, já a outra prefere o Minha querida Sputnik, e por aí vão se diversificando qual é o melhor livro produzido por ele. Dos cinco livros que li do autor até agora (a trilogia 1Q84, Norwegian Wood, e Kafka à beira mar) o melhor foi sem dúvida alguma Kafka à beira mar, então vamos ao enredo do mesmo.
Kafka Tamura é um menino que foi abandonado ainda pequeno pela mãe, ela fugiu de casa levando sua irmã, deixando ele com seu pai. E é também desde pequeno que ele ouve a seguinte profecia do seu pai: Um dia você irá matar seu pai e dormir com sua mãe. Para escapar desta profecia aos 15 anos ele decide fugir de casa, se preparando de forma física e mental para sobreviver sozinho em outra cidade, que ele conhece apenas pelo nome.
Nakata é por sua vez um personagem de sessenta anos, analfabeto, e mantido com uma pensão pelo seu irmão. Na sua infância ele era uma criança muito inteligente, mas um estranho acontecimento fez com que ele ficasse em uma condição próxima a alguém que problemas mentais em grau leve, mas apesar disso ele é capaz de falar com gatos e nas suas horas vagas ele trabalha procurando gatos perdidos.
Mesmo Kafka à beira mar ser em uma enorme parte um romance de formação (com toque sobrenatural e uma lógica bem peculiar em jogo, ou melhor em foco narrativo), eu realmente gostei da beleza com que Murakami consegue mostrar o crescimento e amadurecimento de Kafka, de como aos poucos as convicções e opiniões do personagem vão se tronando muito mais firmes e seguras, ao passo que as mesmas quando deparadas com novas situações ou outras formas de encarar a situação vão se transformando, sem medo do amadurecimento.
Também achei um prato cheio os relacionamentos que se constroem ao longo da narrativa; Kafka com Oshima e a Sra. Saeki, que em muitos aspectos me trouxe várias contribuições culturais. Ou o caso de Nakata e Hoshino, que à primeira vista parece que não dará certo, mas logo fica claro o quanto há de poder na aceitação daquilo que não podemos compreender. Estes relacionamentos existem ao longo do livro e me fazem perceber algo que muitas vezes me esqueço: de que o nosso crescimento se dá enquanto relacionamos com o outro; afinal, diálogo, respeito, e afeto de nada vale a uma pessoa sozinha.
É claro que não é só por aquilo que aprendi com o livro que o acho ótimo, mas também pela capacidade do autor de criar várias subtramas sem se tornar confuso ou dar a impressão de que está enrolando, outra coisa que gostei muito é que cada cena tem sua força própria dentro da narrativa, não é daqueles livros que dão a impressão de que tudo está em crescimento para que no fim seja apenas um arremate do grande final. Estes fatores fizeram com que eu devorasse o livro. O mundo de Murakami foi para mim uma viagem deliciosa, seja enquanto entretenimento, seja como aprendizagem. Este é um livro que vale muito a pena ser lido o quanto antes, seus personagens são cativantes e no fim fica a sensação de que houve um belo aprendizado sobre crescer, amadurecer e se relacionar com o outro.
Ainda em tempo: muita gente se queixa de algumas coisas que ficaram pendentes ou da lógica própria do autor nos detalhes sobrenaturais, acho que quem não exigiu as devidas explicações quando surgiram as primeiras estórias com toques sobrenaturais está meio atrasado para exigir um manual de funcionamento agora, ainda mais se levar em conta aquilo que Kafka nos ensina ao longo desta narrativa: a capacidade de aceitar aquilo que não podemos mudar, e sobretudo a capacidade de nos adaptarmos a isso de modo a interagir e conviver de forma harmônica.
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