Rafael.Montoito 01/06/2024
Tão poético quanto uma chuva de peixes
Com uma história original, belíssima e sensível, que suscita momentos de profunda reflexão - e, até mesmo, tristeza - Murakami apresenta uma narrativa fantástica, sobre a qual o leitor não ganha todas as explicações. A primeira coisa que deve ficar clara para quem pretende ler o consagrado escritor japonês talvez seja essa: suas personagens fazem o que fazem porque devem fazê-lo, têm urgência de fazê-lo - porque devem ou qual é essa urgência são motivações secundárias, que perdem em importância na amplitude mágica da história contada.
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A história segue em paralelo duas personagens principais: Kafka Tamura e Satoru Nakata - somente próximo ao final do livro, embora não se encontrando, a vida e escolhas de um impacta nas do outro.
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Kafka é um garoto de quinze anos que foge de casa, tentando escapar de uma maldição enunciada por seu pai. O garoto, um leitor compulsivo, que acaba sendo suspeito de matar o próprio pai, esconde-se numa cidade do interior. Lá, ele conhece Oshima, um atendente da biblioteca local, e Saek, a senhora que a gerencia. Saek, na juventude, havia composto uma música chamada "Kafka à beira mar", que aguça a curiosidade do menino Kafka, quando ele passa a morar dentro da biblioteca. Oshima se torna seu melhor amigo e, por vezes, o esconde numa erma cabana, numa região em que o menino descobrirá um véu entre a realidade em que vive e uma outra.
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Em paralelo segue a história de Nakata, um senhor que, depois de ter sofrido um trauma na infância, ficou mentalmente comprometido - em contrapartida, ganhou a estranha habilidade de falar com gatos e sentir coisas que estão para acontecer, como a estranha chuva de peixes que cairá do céu nos próximos dias. Nakata sabe que tem que ir para determinado local, mas não sabe o porquê, nem o que tem que fazer lá. Nessa aventura, ajuda-o Nosino, um jovem caminhoneiro, que perceberá a vida de modo diferente depois da amizade que vive com Nakata.
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Recheado de referências pop e de simbolismos, "Kafka à beira mar" pode soar absurdo para os leitores acostumados às narrativas "quadradinhas", mas na verdade é um deleite que tive o prazer de ler enquanto viajava pelo Japão, o que aumentou ainda mais minha sensação de proximidade com as personagens.