PorEssasPáginas 13/07/2017
Resenha: Prisioneiras - Por Essas Páginas
Tenho um grande interesse pelo tema carcerário, especialmente quando se trata de prisões femininas. Portanto, quando a Companhia das Letras lançou Prisioneiras, de Drauzio Varella, fiquei muito curiosa. Não-ficção não costuma participar da minha zona de conforto, mas o que seríamos de nós, leitores, se não a abandonássemos de quando em quando em nossas leituras? Já conhecia o prestigioso médico, claro, mas nunca havia lido nada dele; sua narrativa envolvente, bem-estruturada e emocionante foi uma grata surpresa e transformou Prisioneiras em uma das minhas melhores leituras de 2017.
Você já percebe que Prisioneiras é um livro brilhante logo no começo; com habilidade, Drauzio Varella nos transporta para dentro da Penitenciária Feminina da Capital logo nas primeiras linhas. Ele nos apresenta o ambiente, fala um pouco sobre sua experiência em presídios masculinos da capital paulista – especialmente sobre seu trabalho no extinto Carandiru, cujo livro de mesmo nome é o primeiro de sua série prisional -, explana brevemente fatos e dados importantes sobre violência, drogas e, claro, sobre os encarcerados. No começo, estava com o pé atrás, mesmo porque o próprio Varella confessa que, apesar de todos seus anos de experiência em presídios, uma cadeia feminina era imensamente diferente e ele teria que aprender tudo de novo; como, então, um homem poderia ter o respeito e a sensibilidade de retratar uma prisão feminina, a realidade triste e brutal das mulheres encarceradas no Brasil?
Mas Drauzio não decepciona; ao contrário, surpreende e causa admiração. Com imparcialidade e uma narrativa sensível, o autor consegue contar as mais diversas histórias daquelas mulheres e comover o leitor. À medida que as páginas viram, a antiga visão e os preconceitos arraigados caem por terra, soterrados por uma realidade que sequer conseguimos imaginar, uma realidade mais dura e terrível que qualquer ficção conseguiria emular. Através de cada história narrada pelo autor, percebemos o quanto somos privilegiados, até mesmo inocentes, perto dos horrores que estas pessoas viveram – e continuam vivendo. Você se dá conta de que não existem razões simples para uma pessoa entrar no mundo do crime; evocando a velha máxima, nada é preto no branco, o mundo é cinza, e assim são os motivos para uma pessoa acabar em uma prisão.
Abandonadas à sua própria sorte nas cadeias, diferente dos homens, as mulheres raramente recebem visitas de seus familiares; não apenas dos maridos/companheiros/namorados – o que, talvez, já fosse esperado de homens que descartam como lixo uma mulher à primeira oportunidade -, mas também são abandonadas por mães, pais, filhos e filhas, irmãos e irmãs. É só mais um exemplo claro do machismo arraigado na sociedade brasileira, dentro e fora das prisões. O autor explica essa diferença com clareza no livro, em uma fala dura e direta:
“Há anos procuro entender as razões que levam as famílias a visitar o parente preso, enquanto esquecem a irmã, a filha ou a mãe no cárcere. Talvez porque a prisão de uma filha ou da mãe envergonhe mais do que a de um filho ou do pai, já que a expectativa da sociedade é ver as mulheres “no seu lugar”, obedientes e recatadas.” Página 271
Existem alguns temas polêmicos (ou tabus) que muitas pessoas defendem fervorosamente. E nem adianta dizer que nunca foi desse tipo, todo mundo já defendeu alguma coisa e mudou de ideia algum dia (e que bom que podemos mudar de ideia!). Lendo esse livro, acho difícil não se questionar, pra dizer o mínimo: prepare-se para desgrudar unhas e dentes de suas opiniões sobre questões como sexualidade, aborto, feminismo, racismo, drogas, violência urbana, maioridade penal e, claro, a questão carcerária no país. De duas uma: ou você vai fechar o livro se sentindo outra pessoa – e esse é um dos pontos fortes e maravilhosos desta obra e dos grandes livros, ter o poder de mudar o leitor de alguma maneira – ou você vai insistir em suas opiniões já formadas e virar um dos memes hilários dos vídeos “lendo comentários” do canal do Drauzio Varella. E por isso mesmo, por propor o questionamento, a reflexão, por cutucar a ferida, Prisioneiras é leitura obrigatória, especialmente para os brasileiros, um povo que se gaba de ser caridoso e aceitar todo mundo, mas no fundo é preconceituoso e vingativo.
Ler Prisioneiras é um exercício de empatia e humildade. Você vai se revoltar, vai se comover, vai rever seus velhos conceitos. E, principalmente, vai admirar e respeitar este autor e médico que dedica parte de sua vida às pessoas esquecidas pela sociedade. Com uma narrativa honesta, direta e sensível, Drauzio Varella traz um livro que protagonista mulheres anônimas, contando suas histórias com consideração e compaixão, uma obra sobre a natureza humana e suas diversas e ricas facetas, uma leitura marcante e imperdível. Você vai terminar de ler mudado e desejando que todo mundo também leia Prisioneiras.
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