Derso 12/08/2020
É... UM LIVRO QUE TEM "HISTÓRIA" NO TÍTULO...
O ano era 2013, meu amigo Wester calorosamente me convidou pra visitar um sebo, o que revelou muito de sua bondade e generosidade, visto que eu nunca havia ido num estabelecimento desse tipo antes e o mais próximo ficava em São José do Rio Preto. Naquele dia, o sol a pino não me deixava em paz assim como minha ânsia diante de tal evento, tanto que íamos de sebo em sebo explorando cada canto, cada prateleira... Enfim, essa definitivamente é uma experiência da qual não me esquecerei tão fácil. Principalmente, pelo fato de que essa era a primeira vez que vi o livro Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo, tomado pela curiosidade adquiri o livro... E foi nesse momento que alguns detalhes saltaram aos meus olhos.
Durante a leitura, percebi uma série de incongruências, mas no geral achei interessante até pra aprender o que pseudo historiadores andam propagando por aí, tempos depois chega ao meu conhecimento que aquele não era um livro único, na realidade, faz parte de uma série composta de, até onde sei, oito livros com as mesmas iniciais “Guia Politicamente Incorreto...”, alguns deles não foram escritos por Narloch mas a ideia é basicamente a mesma. Eis que, minha acentuada curiosidade me leva ao Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil.
Assim como nos outros, o jornalista Leandro Narloch propõe uma revisão sobre os mais conhecidos acontecimentos e personagens (nesse livro) da história do Brasil. Segundo ele, essas informações estavam restritas às estantes especializadas das livrarias. E nos mostra, um olhar diferente, digamos assim, sobre o que aprendemos na escola. E esse bolo tem sua cereja... Uma duvidosa bibliografia.
O livro em si, como no anterior, é bem escrito, o autor se apropria de uma linguagem fácil e acessível, o que dá clareza a seu discurso mantendo o leitor interessado a pesquisar mais sobre o assunto; dá pra perceber outros artifícios usados, por exemplo o sarcasmo e a ironia, esses elementos funcionam no texto, pois dá leveza no livro principalmente após a leitura de um trecho altamente detalhista ou que contenha um tema pesado.
Se tiver algum outro mérito do livro que eu estiver esquecendo, por favor, de forma respeitosa deixe nos comentários, por que eu sinceramente não consigo ir além disso.
Na introdução, acontece o que eu costumo chamar de desonestidade intelectual, o autor fala sobre um esquema pra contar a história de alguns países, isso inclui misturar chavões, mudar datas, nomes de nações colonizadas; e pronto você pode passar qualquer prova de história na escola e, dar uma de especialista na mesa do bar, que todos vão concordar e os professores vão amar as respostas. De fato, pra você enganar alguém sobre qualquer assunto basta você seguir a receita do Leandro Narloch, o interessante é mostra-la, condena-la e segui-la em pontos específicos, pois na realidade o livro não é totalmente mentiroso e é justamente esse o motivo que faz o debate sobre ele ser tão complexo, tornando-o resistente à críticas. O autor mistura verdades com meias verdades, acrescenta afirmações sem evidências e adiciona interpretações insustentáveis; tudo isso passa uma sensação de credibilidade sendo difícil pra que o leitor enxergue os problemas, por exemplo, quando começa a falar a respeito da desatualização dos livros didáticos a afirmação está correta, o que ele não menciona é que a atualização de livros didáticos se dá a cada três ou quatro anos, e obviamente que novas informações são acrescentadas diante das novas descobertas com o detalhe de que estão adaptados para o ensino fundamental e médio.
Na introdução, frequentemente somos “avisados” de que este é o livro revelador de verdades que ofendem o politicamente correto, construindo um discurso de que tudo o que está sendo escrito é alguma novidade que a academia não quer dizer por falta de vontade. Na realidade, a academia já vem fazendo isso há muito tempo, a diferença é que há método e pesquisa, e pra chegar a uma conclusão leva tempo.
No capítulo CINCO VERDADES QUE VOCÊ NÃO DEVERIA CONHECER, nos é dito que em 1646 as aldeias ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e que os índios se embebedavam e dava trabalho aos padres com brigas, adultérios, ferimentos, mortes e ainda fazia com quem faltassem à missa. Segundo Renato Venancio, é preciso saber distinguir o período anterior e posterior à colonização, assim entendemos que os jesuítas estimularam a transferência dos índios para proximidades de vilas e fazendas. Isso deu origem a um processo de aculturação. O alcoolismo foi um flagelo, dentre vários, trazidos por essa transformação. É interessante notar que a narrativa que nos é passada começa em 1646, foi desconsiderada os primeiros relatos de aculturação da população local, por exemplo, na carta de Caminha os índios rejeitam o vinho. Além disso, a bebida tradicional dos índios, o “cauim”, tinha fraquíssimo teor alcóolico, era utilizada apenas coletivamente e em certas ocasiões (casamentos, nascimentos, festas comemorando a vitória na guerra etc.).
Só pela introdução e o primeiro capítulo já dá pra perceber a bagunça que esse cara faz, tem como ficar pior? No capítulo em que Zumbi dos Palmares ganha atenção, já nas primeiras linhas é dito que Zumbi dos Palmares é o maior herói negro do Brasil, o texto segue tentando quebrar o mito do “herói”; lemos que Zumbi dos Palmares tinha escravos tanto que mandava capturá-los em fazendas vizinhas, também sequestrava mulheres, e executava quem quisesse fugir do quilombo, após isso são citados vários documentos, livros, relatos; acho louvável ele ter feito essa pesquisa pra chegar a uma conclusão. O problema é que ler esse ou aquele livro/relato/documento não significa que você fez uma boa pesquisa, o senso crítico é essencial nesse momento principalmente se a escrita é contemporânea de determinada pessoa, o historiador tem que levar em conta a intenção de quem escreveu, a visão de mundo de quem relatou e qual era a motivação de quem documentou, dito isso não há suporte documental para se afirmar que Zumbi dos Palmares possuía escravos, mandava matar fugitivos ou sequestrava mulheres. O que os livros citados por Narloch dizem a respeito deles foi escrito por holandeses (ou alemães que os acompanhavam), portugueses e fazendeiros que atuavam em câmaras municipais. Essa gente, por razões óbvias, odiava o Quilombo de Palmares e tentava o tempo todo provar que a vida ali era ainda pior do que nas senzalas, daí as acusações de o lugar ser um antro de ladrões, assassinos e estupradores.
Não tem como ficar pior, não é? É aí que nos enganamos, quando ele começa a falar do samba... Meu Deus, o que é isso? Basta dizer, que não existe cultura “pura”. Toda criação humana é composta por múltiplas misturas e hibridismos, nenhum historiador sério acredita na existência de identidades nacionais antes do século XIX. Elas também variam de tempos em tempos, sofrem atualizações ou abandonos, recorrendo aos mais variados elementos da vida social.
Pus duas fontes no fim do texto, a primeira é um artigo do Renato Venancio, no qual dedicou o artigo inteiro só pra comentar esse livro, confesso que copie e colei vários trechos e antes de fazer isso chequei todas as fontes, os nomes que estão lá e os trabalhos referidos eu confio bastante; mas se não tiver confiança sugiro fortemente que confira você mesmo. A segunda fonte é de um vídeo do canal Leitura ObrigaHistória, em que o autor do vídeo vai aprofundar bastante a questão da escravidão no livro do Narloch, é um vídeo de uma hora e vinte e conta com vários especialistas, e assim como na primeira fonte transcrevi vários trechos do vídeo pra essa resenha; de novo se não tiver confiança nos especialistas, procure o currículo delas no Cnpq.
Enfim, aqui termino essa resenha elogiando a escrita do escritor e sugerindo pra quem estiver lendo esse livro que tenha pensamento crítico, pois não podemos aceitar tudo como verdade absoluta.
FONTES:
ARTIGO :O Incorreto no “Guia politicamente incorreto da história do Brasil” de Renato Venancio
VÍDEO DO CANAL OBRIGAHISTÓRIA: Legado Negado: a escravidão no Brasil em um guia incorreto
site: https://www.youtube.com/watch?v=tSMyb2ygxXw