PorEssasPáginas 13/09/2014
Resenha: Nosferatu - Por Essas Páginas
Já fazia um bom tempo que eu queria conhecer conhecer de verdade a escrita de Joe Hill. Meu único contato com um texto dele, antes desse livro, foi com o conto A Tribo (leia a resenha), escrito em parceria com Stephen King e, justamente por ser algo em co-autoria, fora impossível determinar ali algo sobre Hill. O Felipe aqui do blog já leu dois livros dele e delirou (aliás, ele tá devendo resenha!), então quando a Editora Arqueiro lançou Nosferatu, percebi que não podia perder essa oportunidade. Respirei fundo e mergulhei no universo de Hill nesse livrão de 624 páginas. Mas e aí?
E aí que foi uma viagem muito louca (e longa!). E aqui estou eu, com o livro ainda quente após terminá-lo, para escrever essa resenha, com os sentimentos confusos. O livro é uma mistura alucinante de horror, ação, nerdices (muitas nerdices!) e de Stephen King. Ou talvez de Tabitha King. Uma mistura dos dois (claro, né?). Eu deveria adorar toda essa mistura, é a minha praia, é a minha zona de conforto! Mas não amei tanto quanto gostaria. Vamos lá, então, aos fatos.
Vic é uma menina especial. Desde muito cedo, toda vez que ela sobe em cima de sua bicicleta (sim, adorei isso, já disse pra vocês como eu sempre quero ler mais livros com bicicletas), procurando por algo perdido, Vic encontra. Ela passa por uma ponte, uma ponte que fica em sua imaginação, mas também é muito real, e sai do outro lado, muitas vezes bem longe de casa, e encontra o que quer que tenha perdido. Até o dia em que ela procura por respostas, e aí é a primeira vez que ela ouve sobre Charlie Manx, um homem sinistro, que também tem um dom como ela: com seu Rolls-Royce, ele conduz crianças a um lugar escondido em sua imaginação, mas tão real quanto a ponte de Vic: A Terra do Natal. Mas Vic resolve também procurar por encrenca e é então que ela e Charlie se encontram pela primeira vez.
Só pela sinopse e por esse resumo, vocês já podem perceber que sim, o livro é bem sinistro. E sim, ele é uma viagem, das bem loucas. A imaginação de Hill é impressionante e foi o motor que me guiou por todas as mais de 600 páginas dessa obra. Porém, nem só de imaginação e de uma boa história se alimenta um bom livro. Um livro é como uma estrada e a escrita do autor é o veículo; ela precisa guiar o leitor, conduzi-lo de maneira que este não queira pular do carro na próxima saída, de um jeito que o leitor não se canse da viagem e deseje ardentemente chegar ao seu destino final e, ainda assim, sentir falta da estrada. Bem, isso aconteceu com Nosferatu? Sim e não.
Sim, eu queria saber como a história terminava. Mas o problema é que, de alguma maneira, eu já sabia, já conhecia parte do caminho. O livro não tem muitas curvas, ou melhor dizendo, é previsível. Parecia que eu já tinha uma vaga ideia do que acontecia, parecia que eu já tinha estado naquele carro. Havia algumas mudanças sensíveis, é verdade, mas já viajei muito nesse veículo para saber que ele fora herdado de outro dono. E sim, vocês podem até me achar pretensiosa, preconceituosa, até mesmo óbvia por dizer isso, mas há muito do pai nesse filho, e eu definitivamente não queria ver isso. Joe Hill é filho de Stephen King e não sou ingênua a ponto de acreditar que, se King influenciou e influencia tantos escritores que nunca se encontraram com ele, ele não iria influenciar (mesmo que sem querer), o trabalho do filho. É claro que influenciaria e isso é ótimo. Porém, eu não esperava nem queria ter a impressão de estar lendo uma obra de Stephen King, com algumas diferenças sutis. O que eu queria de verdade era ler Joe Hill, outro escritor, com um estilo próprio, e não foi isso que encontrei.
Essas semelhanças começam no início arrastado e descritivo do livro, que passa mais de 100 páginas para situar o leitor na história. É um recurso que King utiliza e é uma das coisas que mais me irrita nele, e que já me fez parar de ler alguns livros, para só retomar a leitura muito tempo depois. É exaustivo. Nem sempre é necessário contar toda a vida de um personagem que vai aparecer em um ou dois capítulos, e não vou deixar de questionar esse fato só porque o escritor é o King ou o Hill, que seguiu direitinho essa cartilha do pai. E o espantoso é que eu sei muito bem que ele não fez esse tipo de coisa em A Estrada da Noite ou em O Pacto, então por que fez isso agora? O livro demora muito tempo para engatar a segunda marcha, o que certamente pode fazer alguns leitores menos persistentes o abandonarem. Não era um livro que precisava ter mais de 600 páginas. Ainda seria um livro longo, mas não precisava ser tão longo. Há uma passagem no próprio livro que descreve perfeitamente meu sentimento ao lê-lo:
() igual a um livro, um romance que chegara ao fim, uma história que tanto o leitor quanto o escritor estavam prontos para deixar de lado. Página 595
Não sei vocês, mas não me agrada esse sentimento ao terminar um livro. O sentimento de que eu quero deixá-lo de lado. Para mim, os melhores livros são aqueles que justamente você não quer largar! Não é incrível quando você termina um livro e sente saudades dele, dos personagens, daquele mundo, e tudo aquilo fica na sua cabeça por dias, meses, às vezes para sempre? Pois é, Nosferatu não é assim. Eu estava louca para terminá-lo. Para simplesmente deixá-lo de lado e seguir adiante. Eu estava cansada e não era por causa do tamanho do livro. Há livros enormes que você sente saudade mesmo depois de 500, 800 páginas!
Outra semelhança com King; essa foi proposital e os fãs de A Torre Negra vão entender: Nosferatu é mais um dos mundos além deste. Há referências à Torre em várias partes do livro, como se esse livro assim como os do King pertencesse à grande teia de universos que circundam a Torre Negra. Confesso que fiquei dividida nesse momento: eu não sabia se achava incrível a referência ou se achava triste. Até mesmo nos agradecimentos Joe Hill toma cuidado para não dizer o nome do pai ele o agradece, ele fala dele, mas não diz seu nome, apesar de citar a mãe e até mesmo nomear uma das personagens com seu nome -, e isso é compreensível, é claro, ele quer se desvincular da imagem do pai, ele fez isso, tem várias obras que são diferentes, mas aqui, em Nosferatu, parece que foi impossível se desgrudar dessa carga kingeresca. E isso foi o que mais me decepcionou no livro: eu não queria ler King, eu queria ler Hill.
Sei tudo sobre estradas que só podem ser encontradas dentro da mente. É por uma delas que consigo chegar à Terra do Natal. Existe a Estrada da Noite, os trilhos de trem que levam a Orphanhenge, as portas o Mundo Médio e a velha trilha que conduz à Casa da Árvore da Mente, e existe também a maravilhosa ponte coberta de Victoria. Página 331
Ao mesmo tempo, o livro não é só coisas negativas. Aliás, quase nada do que eu falei acima é negativo. Eu gosto de ler esse tipo de história, esse tipo de autor, e gostei do livro, claro. Eu me envolvi com os personagens complexos e muito bem desenvolvidos. Caí de amores pelo fofo literalmente Lou Carmody. Gostei de como o livro passou por vários anos da vida de Vic e como a personagem cresceu, evoluiu, subiu e desceu e voltou a subir em uma vida amargurada e repleta de feridas. Fiquei deliciada com as referências nerds que vão desde Batman até Harry Potter. Admirei como Hill conseguiu criar um vilão autêntico, tão louco que dava sentido à sua própria insanidade, tão horrível que conseguia confundir bem e mal, confundir até o leitor às vezes. Gostei de como ele subverteu a ideia tão batida de vampiros. Foi uma boa viagem, sim, foi mas não quero voltar à essa estrada novamente.
A edição da Arqueiro está bem caprichada, cheia de ilustrações, que provavelmente vieram da edição original. O livro passa por transições, partes, e todas elas têm ilustrações especiais. Há algumas também no início do livro e no final dele, bem como uma página que é um jogo infantil, que só vai fazer sentido se você ler o livro. Ah, e eu gostei bastante dos agradecimentos (sim, eu leio os agradecimentos), o Joe Hill foi bem criativo ao escrevê-los. E me tirou um sorrisinho do rosto no final, por eu ser uma das pessoas que realmente leem os agradecimentos.
Quero sim dar uma nova chance a Joe Hill, retornando no tempo e lendo suas obras anteriores, quando ele era mais ele mesmo. Talvez eu faça isso logo, talvez não. Talvez eu me acostume com o fato de que ele é mesmo o filho do cara e talvez eu até goste disso um dia. Mas, no momento, fiquei decepcionada. Ainda assim, se você gosta de um bom terror, de uma boa e longa viagem deve ler Nosferatu.
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