O filho eterno

O filho eterno Cristovão Tezza




Resenhas - O Filho Eterno


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samucacn 10/03/2023

Aclamado pela crítica e pelo público, O filho eterno conta a história do nascimento de uma criança com síndrome de Down coincidindo com o momento de ruptura na vida dos pais. Um filho desejado, mas diferente: nas palavras do pai, na tímida tentativa de explicar para os conhecidos, nos primeiro meses, uma criança com ?um pequeno problema?. De início, tudo é estranhamento, e o pai assume que a urgência não é resolver o tal problema do menino - haveria algo a ser resolvido? -, mas o espaço que o filho ocupará, para sempre, na vida do casal.

Em um livro corajoso e emocionante, Cristovão Tezza expõe as dificuldades, inúmeras, e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down. O périplo por clínicas e consultórios médicos no início da década de 1980, época em que o assunto não era tão estudado, estando ainda envolto por certo grau de misticismo. E a tensa relação inicial com a mulher.

Com o passar do tempo e uma série de pequenas conquistas - os primeiros passos, a ida à escola -, o pequeno Felipe vai conquistando o seu lugar de filho. O pai supera a fase de negação e já não vê mais a condição do primogênito como uma espécie de ?maldição inesperada?, enxergando-o como um indivíduo único, que necessita de amor e cuidado.

O autor aproveita as questões que apareceram pelo caminho desde o nascimento de Felipe para reordenar a própria história: a experimentação da vida em comunidade quando adolescente, a vida como ilegal na Alemanha para ganhar dinheiro, as dificuldades de escritor com trinta e poucos anos e alguns livros na gaveta, e a pretensa estabilidade com o cargo de professor em universidade pública.

Com precisão literária para encadear, de maneira clara, referências de anos e situações tão díspares, Cristovão Tezza reforça, com a publicação de O filho eterno, seu lugar entre os maiores escritores brasileiros.
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Márcia Ohlson 26/02/2009

recomendo
li em 3 dias, nesse feriadão do carnaval. triste, mas muito verdadeiro. definitivamente recomendo.
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Lais544 05/11/2011

OS pensamentos que ele tem em relação ao filho logo que ele nasce são bastante fortes.
Thiago 20/12/2014minha estante
Mas se lembre que é ficção, saber de fato o que é real de fato é quase impossível.




Pa 24/02/2012

É um drama familiar. Um escritor fracassado (?) tem de lidar com o nascimento de um filho com sindrome de down, à época conhecido como mongolismo.
É narrado o preconceito próprio do pai, bem como da sociedade; a dedicação do pai para com o filho e ao mesmo tempo sua vergonha.
A comunicação falha entre pai e filho. Entre filho e mundo. Entre escritor e leitores.
Filho e pai vão ao poucos criando vínculos mais estreitos, o pai sente a veneração do filho quando se abraçam, e percebe o amor que sente pelo filho quando esse some.
Há quem diga (e são muitos) que não passa de uma auto-biografia de C. Tezza.

" Um filho, antes de ser um filho, é a idéia de um filho."
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Mário 27/05/2012

Sensacional!
O romance é maravilhoso! Eu o li sem compromisso, após recomendações da escritora Beth Brait em seu livro: Literatura e outras Linguagens. Cristovão Tezza além de um grande contista é estudioso da linguagem e usou a língua portuguesa de forma linda e refinada. O livro força o leitor a refletir sobre o afeto e a razão. A doença de Felipe, protagonista da história, acaba ficando em segundo plano, quando percebemos a construção belíssima dos personagens: um pai e um filho.

Tezza parabéns pela obra! Digno dos prêmios recebidos. Eu, também, fiz questão de assistir a peça com o ator Charles Fricks aqui em São Paulo - no Sesc Consolação. A peça é esplêndida, o ator é ótimo e o diretor também, pois me trouxe ainda mais reflexão sobre esse mundo de relações que temos entre pais e filhos. Ótimo livro pra ser discutido e vivenciado em sala de aula.
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jota 29/11/2014

Pai, você foi [é] meu herói e meu bandido...
O Filho Eterno é sobre Felipe, 25 anos em 2007, quando o livro foi lançado, uma pessoa de verdade e igualmente um personagem. Mas o relato de Tezza parece ser, ou é mesmo, muito mais sobre o próprio autor. Pai e filho se desnudam ou são desnudados aqui sem muita piedade.

Altamente autobiográfico, propositalmente ou não, não sei, é muito pouco sobre a mãe e a irmã do menino nascido com Down nos anos 1980, quando então a síndrome era simplesmente chamada de mongolismo e as famílias escondiam as crianças portadoras dentro de casa ou evitavam falar delas, não apenas não mostrá-las.

Grande parte do tempo o pai ressentido chega a desejar que o filho morra logo (os portadores de Down não vivem muito mesmo, aprendeu) para não passar vergonha com amigos ou estranhos por conta da condição do filho, ele que sonhava alto, fazia grandes planos para o herdeiro no futuro. Mas aos poucos vamos notando pequenas transformações nesse relacionamento conturbado. Como se percebe neste trecho:

"Ali está o pai com o filho idiota diante da fonoaudióloga. Quase esquece que também tem uma filha normal - mas crianças normais só precisam de água, que elas vão crescendo como couves. (...) A criança não se concentra muito, diz a fonoaudióloga, e ele se afasta dali quase arrastando o filho, e no corredor sente o olhar agudo dos outros para o pai que leva aos trancos uma pequena vergonha nas mãos, incapaz de repetir duas ou três palavras numa sentença simples. (E no entanto a criança abraça-o com uma entrega física quase absoluta, como quem se larga nas mãos da natureza e fecha os olhos.)"

Belo livro, com certa crueldade e ironia, também com algum humor, profundamente sincero, mesmo sem nos emocionar tanto assim é interessante do começo ao final (parece ser mais longo do que realmente é) e foi merecidamente ganhador de vários prêmios literários.

Lido entre 24 e 29/11/2014.
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Erika.Almeida 18/01/2016

Narrativa corajosa
"O filho eterno" de Cristóvão Tezza é super premiado - entre outros, ganhou o Jabuti de Melhor Romance de 2008.
Em geral, eu me apaixono pelos livros, fico afetivamente ligada a eles. Com "O filho eterno" não rolou esse amor, mas tenho muito respeito pelo texto. Respeito por ser uma escrita essencialmente corajosa. Tezza fala de peito aberto sobre o que a maioria refuga (o impacto da chegada de um filho especial). A literatura instrumentalizou a expressão de certas dores, para que a partir daí se construísse um laço genuíno.
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Cristiano.Vituri 09/08/2016

O pai eterno, o homem eterno...
A relação de um pai com seu filho deficiente, e a dura forma de enfrentar esse mundo diferente; esse é o pano de fundo. A história mesmo, não trata do filho. Trata do pai. Trata do homem.
Tezza costura uma teia de eventos paralelas para contar as vicissitudes desse homem (que eventualmente foi pai de um filho com sindrome de Down), mas que também viajou, sofreu, trabalhou por miséria, foi preso, teve sonhos metafísicos, amou e foi amado.

Sob nuances, o autor ainda conta uma parte da história do Brasil com leves estocadas (típicas da ditadura) e revela mais: o caráter e a alma do brasileiro médio dos anos 80 e da sociedade.
" é uma elite tosca, com frequência grotesca, de uma ignorância assustadora, renitentemente corrupta e corruptora e instalada capilarmente em todos os mecanismos de poder do país..." pág. 162)

Por vezes com uma linguagem crua e cruel, Tezza põe o politicamente correto por terra, e expõe nosso lado mais secreto de pensamentos e preconceitos, tudo recheado com várias referencias sobre literatura - William Faulkner (meu favorito), Sartre, Camus, Mann, Freud...- que deixam a leitura ser prazerosa, li em 4 dias.

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Elisangela.Galvao 18/12/2016

O encanto da fuga de Tezza
História fantástica que prende a cada página, com a angústia e aprendizado de um pai em busca da aceitação (ou não) da "estranheza" de seu filho. SUPER recomendo.
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VG 01/01/2017

A primeira criança de um casamento é uma aporrinhação monumental – o intruso exige espaço e atenção, chora demais, não tem horários nem limites, praticamente nenhuma linguagem comum, não controla nada em seu corpo, que vive a borbulhar por contra própria, depende de uma quantidade enorme de objetos (do berço à mamadeira, do funil de plástico às fraldas, milhares delas) até então desconhecidos pelos pais, drena as economias, o tempo, a paciência, a tolerância, sofre males inexplicáveis e intraduzíveis, instaura em torno de si o terror da fragilidade e da ignorância, e afasta, quase que aos pontapés, o pai da mãe.”
Seis anos atrás, isto é, em 2011, eu passava as minhas tardes das quartas feiras em uma salinha aconchegante e com ar condicionado, sentada em uma poltrona. A sala de espera da análise era um momento de leitura tranquila em meio ao caos do Rio de Janeiro, mas, por vezes, esquecia de levar algum livro. Nesses casos, apelava para as poucas leituras disponíveis na própria sala: um livrinho de cartuns do Quino, lido milhões de vezes – pelas minhas mãos e por outras tantas – e as ocasionais revistas.
Foi numa dessas tardes que, adiantada, comecei a ler a seção dedicad41t-6odfdwl-_ux250_a a livros e escritores. Não lembro o nome da revista, mas foi por lá que me deparei com o nome de Cristóvão Tezza e do Filho Eterno. Ih, legal, um autor brasileiro contemporâneo, com livros muito premiados e que eu nunca li. Assim que saí na análise fui na livraria e comprei, ao acaso um dos livros do autor. Um Erro Emocional, que era o mais barato. Fiquei encantada com a escrita de Tezza e, como é um hábito meu, mergulhei na leitura de seus livros. Beatriz, Trapo, e O Espírito da Prosa foram alguns dos livros que li.
imagesPosso dizer que terminei 2016 e comecei 2017 com uma paulada literária, pois só agora li O filho eterno. Este livro, que remete à experiência pessoal de Tezza, retrata com dureza a experiência de descobrir-se pai de uma criança com síndrome de Down. Os sentimentos e pensamentos desse pai são descritos com uma sinceridade quase brutal. No entanto, não se trata simplesmente de um diário. Nas palavras do autor:
“O filho eterno é um livro brutalmente autobiográfico — tudo nele partiu da memória. Mas é uma memória relativizada pela ficção, transformada pela linguagem romanesca. Isso me deu uma grande liberdade narrativa, em que a realidade se tornou não o limite, mas o ponto de partida para a reflexão. E o livro me permitiu pegar mais de 30 anos da minha vida e dar algum sentido a eles”.*
Com uma pegada realista, o protagonista do livro não encontra de súbito um sentido na síndrome que acomete seu primogênito. O pai, um literato, aspirante à escritor luta, ao longo dos 26 anos de vida do filho, com a vergonha, a irritação e, talvez mais ainda com a decepção de ter um filho que é incapaz de compartilhar com ele do mundo das palavras. A trissomia do cromossomo 23 é a fonte dos conflitos do pai, e estes permanecem ao longo do livro, sem uma resolução mágica. No entanto, o tom do livro cambia de um desespero quase total, para algo que se aproxima cada vez mais de uma aceitação pela via do afeto.
Apesar de ser um livro com um forte componente autobiográfico, Tezza narra uma experiência compartilhada por muitas mães e pais (de crianças com ou sem deficiências/especiais): perceber-se repentinamente preso às necessidades de um outro ser; ver-se com suas possibilidades de escolhas subitamente restritas; encontrar-se em um caminho do qual não se pode retornar pelo mero desejo. Mais do que apenas o relato de um caso específico, o livro trata do sentimento compartilhado por muitos de sentir-se incapaz de lidar com a maternidade ou paternidade, que parece pesada demais, permanente demais, irrevogável.

site: https://movimentosliterais.wordpress.com/2017/01/01/o-filho-eterno/
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wesley.moreiradeandrade 11/01/2017

A vida imita a arte ou a arte imita a vida. Se pensarmos no panorama atual da literatura brasileira, a segunda afirmação é a mais válida. Para alguns escritores ela dá insumos e serve de mote para a redação de novos romances. Com “O Filho Eterno”, Cristovão Tezza consagrou-se definitivamente entre os grandes autores contemporâneos e vale-se de um fato marcante em sua própria biografia para tecer sua obra mais famosa: a relação entre pai e filho, mais precisamente, um pai em busca de firmar-se como escritor e um filho com Síndrome de Down.
O romance publicado em 2007 tem todos os elementos necessários para cair na pieguice e no melodrama, porém destaca-se por uma narrativa em terceira pessoa sóbria e distanciada e por um texto permeado por uma quase cruel sinceridade. O protagonista sem nome é um escritor iniciante que tenta lidar com o fato de o primogênito ter Síndrome de Down. A narrativa baseia-se em todo o conflito interno desse artista em lidar com a situação, a vergonha de falar publicamente a respeito do assunto, o preconceito que inevitavelmente o contagia até mesmo um desejo pela morte do garoto, quando recém-nascido, rondam os pensamentos do personagem. Paralelamente o narrador relembra outros momentos marcantes da juventude desse escritor, suas andanças, estudos, textos imaturos, participação em grupos de teatro e subempregos na Europa.
O livro mostra um pai, um filho e um artista em formação, amadurecendo ou recusando-se a crescer diante dos problemas que vão surgindo e da presença de um filho que não pode ser ignorado e que de qualquer maneira reclama atenção e assistência. Apesar da frieza e do olhar clínico com o qual se relaciona com o filho, é impossível não identificar-se com esse escritor preocupado em aperfeiçoar-se e que recebe diversos nãos das editoras. Além do enfoque familiar, há principalmente um direcionamento sobre o fazer artístico ou as dificuldades que tal escolha traz consigo e o quanto a experiência pessoal contribui para o amadurecimento profissional e literário.
Adquiri este livro na época em que “O Filho Eterno” estava ganhando todos os prêmios e a primeira leitura não me atraiu ou convenceu completamente, chegava até a questionar tamanha celebração em torno de uma obra apenas “ok”. A releitura serviu então para acabar com qualquer equivocada primeira impressão e evidenciar o brilhantismo da prosa de Cristovão Tezza e também deve ter falado ao coração e à razão de tantos outros escritores neófitos que, assim como o protagonista, estão em busca de estabelecerem-se no concorrido e difícil universo literário nacional, apesar das negativas e dos percalços pessoais.

site: https://escritoswesleymoreira.blogspot.com.br/2015/11/na-estante-47-o-filho-eterno-cristovao.html
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albert4 16/01/2017

Não é à toa que recebeu tantos prêmios. Livro maravilhoso.
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Davi.Rezende 02/07/2018minha estante
Recebeu prêmios por causa do autor ser de esquerda, só por isso.




Roberto 14/02/2017

Interessante
Gostei do livro. A Forma como o autor narra a história é bem interessante. Não me lembro de ter lido outra obra com o mesmo estilo. É um livro autobiográfico corajoso e forte.
Davi.Rezende 02/07/2018minha estante
O autor classifica como romance.




Débora 01/04/2017

Confesso que é uma leitura difícil, principalmente, porque o livro é narrado de várias formas. Há momentos em que é primeira pessoa, outros momentos em terceira. Nesse paralelo, o narrador passa de personagem para onisciente ao longo do livro. Ele conta sua juventude, sua fase adulta e há comentários do futuro. Apresenta também diversas reflexões do protagonista.
Além disso, a história tem um pano de fundo sociopolítico complicado no Brasil e na Europa, o que indiretamente interfere no seu desenrolar.
Deve ser uma leitura lenta e gradual para se absorver bem a essência do livro.
Davi.Rezende 02/07/2018minha estante
Na verdade, salvo engano, o livro inteiro é narrado em terceira pessoa.




Naty 15/05/2017

Um livro que me chocou, logo de início, primeiramente pelo tema que trata e, depois, mas não menos importante, pela forma como aborda.
Li esse livro para fazer o vestibular UFU e achei ele bem interessante. Ele revela muito do que qualquer pai ou mãe de filhos com síndrome de Down ou qualquer outro tipo de dificuldades especiais pensam. As dificuldades são muitas e a forma como cada pessoa lida com a notícia é sempre diferente. No caso do livro, o pai estava totalmente despreparado para isso e, consequentemente, rejeita o filho torcendo até mesmo para que ele morra.
Na maior parte do livro, ele demonstra uma imensa vontade de que o filho seja normal, desapareça da vida dela e coisas desse tipo. Até tenta um treinamento que forçaria filho a desenvolver capacidades motoras e de linguagem.
E é aí que você que está lendo essa resenha fala: Vixe! E isso é livro que eu queira ler? Um pai que odeia um filho só porque ele é diferente? Um pai que quer mudar o filho e melhorar suas capacidades só porque não as acha compatíveis com o normal? O que é ser normal, afinal?
E é aí, também, que você deve compreender que o autor conseguiu demonstrar. Ele demonstra o que qualquer pessoa, numa cultura como a nossa, pensaria. Ninguém deseja ter uma criança assim. Ninguém está copletamente pronto.
Em resumo, gostei bastante do livro. Não vou dizer que o amei em sua totalidade, mas ele é bem realista e isso é mais do que inovador. Além de que a linguage que ele adota e as divagações que o pai, na voz de um narrador onisciente, faz são bem interessantes. Isso não quer dizer que eu concorde com todas as suas conjecturas, mas que ele tem bagagem para falar, tem. Ele cita quase todos os livros clássicos da istória e, em cada uma de suas argumentações, dá para se perceber a mistura de argumentos com os de outros autores consagrados. Ou seja, não é uma leitura fácil para quem não tem bagagem. É uma leitura complexa e que exige interesse. É um livro, realmente, bem interessante.
Percebi também uma crítica do autor aos modos dos médicos, pois, na época, eles agiam de maneira mecanica e não ajudavam os pacientes em seus embates pscicológicos e dificuldades em encarar problemas como o de ter um filho com Síndrome de Down. Eles apenas diziam características provenientes dessa mutação do cromossomo 21 e só.
Outra coisa muito interessante é o crescimento conjunto entre pai e filho. Ambos não se encaixam perfeitamente à sociedade, ambos rompem padrões sociais e, ao longo do livro, eles parecem se unir em seus embates contra essas barreiras. Relação entre pai e filho que, de início não era nada boa, mas vai amadurecendo e criando laços inseparáveis. O que gera, enfim, o filho eterno.
A seguir, apresentarei alguns trechos que gostei:
"Súbito, a porta se abre e entram os dois médicos, o pediatra e o obstetra, e um deles tem um pacote na mão. Estão surpreendentemente sérios, absurdamente sérios, pesados, para um momento tão feliz — parecem militares. Há umas dez pessoas no quarto, e a mãe está acordada. É uma entrada abrupta, até violenta — passos rápidos, decididos, cada um se dirige a um lado da cama, com o espaldar alto: a mãe vê o filho ser depositado diante dela ao modo de uma oferenda, mas ninguém sorri. Eles chegam como sacerdotes. Em outros tempos, o punhal de um deles desceria num golpe medido para abrir as entranhas do ser e dali arrancar o futuro. Cinco segundos de silêncio. Todos se imobilizam — uma tensão elétrica, súbita, brutal, paralisante, perpassa as almas, enquanto um dos médicos desenrola a criança sobre a cama. São as formas de um ritual que, instantâneo, cria-se e cria seus gestos e suas regras, imediatamente respeitadas. Todos esperam."
" Cada coisa que há no mundo! Crianças cretinas — no sentido técnico do termo —, crianças que jamais chegarão à metade do quociente de inteligência de alguém normal; que não terão praticamente autonomia nenhuma; que serão incapazes de abstração, esse milagre que nos define; e cuja noção do tempo não irá muito além de um ontem imemorial, milenar, e um amanhã nebuloso. Para eles, o tempo não existe. A fala será, para sempre, um balbuciar de palavras avulsas, sentenças curtas truncadas; será incapaz de enunciar uma estrutura na voz passiva (a janela foi quebrada por João estará além de sua compreensão). O equilíbrio do andar será sempre incerto, e lento; se os pais se distraem, eles engordarão como tonéis, debaixo de uma fome não censurada pela sensação de saciedade, que neurologicamente demora a chegar. Tudo neles demora a chegar. Não veem à distância — o mundo é exasperadamente curto; só existe o que está ao alcance da mão. São caturros e teimosos — e controlam com dificuldade os impulsos, que se repetem, circulares. Só conseguirão andar muito tempo depois do tempo normal. E são crianças feias, baixinhas, próximas do nanismo — pequenos ogros de boca aberta, língua muito grande, pescoços achatados, e largos como troncos. Em poucos minutos — ele não pensou nisso, mas era o que estava acontecendo — aquela criança horrível já ocupava todos os poros de sua vida."
"Não há mongoloides na história, relato nenhum — são seres ausentes. Leia os diálogos de Platão, as narrativas medievais, Dom Quixote, avance para a Comédia humana de Balzac, chegue a Dostoiévski, nem este comenta, sempre atento aos humilhados e ofendidos; os mongoloides não existem. Não era exatamente uma perseguição histórica, ou um preconceito, ele se antecipa, acendendo outro cigarro — o dia está muito bonito, a neblina quase fria da manhã já se dissipou, e o céu está maravilhosamente azul, o céu azul de Curitiba, que, quando acontece (ele se distrai), é um dos melhores do mundo — simplesmente acontece o fato de que eles não têm defesas naturais. Eles só surgiram no século XX, tardiamente. Em todo o Ulisses, James Joyce não fez Leopold Bloom esbarrar em nenhuma criança Down, ao longo daquelas 24 horas absolutas. Thomas Mann os ignora rotundamente. O cinema, em seus 80 anos, ele contabiliza, forçando a memória, jamais os colocou em cena. Nem vai colocá-los. Os mongoloides são seres hospitalares, vivem na antessala dos médicos. Poucos vão além dos... quantos anos? Ele pensou em 10 anos, e calculou a própria idade, achando muito; talvez 5, fantasiou, vendo imediatamente uma sequência rápida de anos, os amigos consternados pela sua luta, a mão no seu ombro, mas foi inútil — morreu ontem. Sim, não resistiu. Voltariam do cemitério com o peso da tragédia na alma, mas, enfim, a vida recomeça, não é? Um sopro de renovação — como se ele tivesse existido apenas para lhes dar forças, para uni-los, ao pai e à mãe, sagrados. "
"Havia muita coisa em jogo, é verdade — mas o grande motor era a vergonha. A vergonha regula do catador de lixo ao presidente da República. É uma chave poderosa da vida cotidiana: esses políticos deviam é ter vergonha na cara!, nós dizemos todos os dias, o que é um mantra que nos redime e nos tranquiliza. Como se fosse a mesma coisa, agora ele sentia vergonha, embora a palavra, por algum mistério, não lhe aflorasse, o som da palavra em sua simplicidade, como se alguma coisa tão absurdamente simples, vergonha, não pudesse fazer parte de sua vida (só os medíocres sentem vergonha, ele recitava) — o que chegava à pele, o que queimava, era o sentimento insuportável de alguma coisa errada. E alguma coisa errada não com o filho, mas com ele mesmo. A criança dorme, a mãe agora também dorme, e ele acende outro cigarro, no escuro. A mulher tem razão: ela acabou com a vida dele, ele suspira, concordando, e sente-se misteriosamente mais tranquilo."
"Nada do que não foi poderia ter sido. Não há outro tempo sobre esse tempo.
Amanhã e amanhã é uma escada curva. Ninguém abre a porta ainda em modelo. Hoje ouvimos os ratos roendo o outro lado. Ninguém chegou lá, porque hoje é aqui.
Mas o sonho insiste o sonho transporta o sonho desenha uma escada reta.
Quando cortas o pão o depois-de-amanhã não te interessa. Mesmo que sabes: todas as forças
estão reunidas para que o dia amanheça."
" o jovem, que jamais concluiria o segundo grau, lhe diz enrolando a língua: Você é tão inteligente, e não conseguiu nem fazer um filho direito. Ele ouve uma risada, que ainda faz eco. "
" A médica não sorri. Ela é uma porta-voz impessoal da ciência, e tem a obrigação de dizer as coisas exatamente como elas são, e as coisas não são boas, porque não são normais e fogem de todas as mediçõespadrão em todos os aspectos: uma trissomia do cromossomo 21, que se manifesta, agressiva, em cada célula do bebê. É isso. Levem o seu pacote, ela parece dizer, quando enfim sorri o seu sorriso profissional. Dizer as coisas como elas são: não reclame, ele se vê pensando. Você quer ouvir uma mentira, e isso a médica não tem para dar. Você quer um gesto secreto de piedade, disfarçado pela mão da ciência, e isso também está em falta. Há séculos as funções da vida já se separaram todas, cada uma em sua especialidade. O que ela tem a dizer, além de descrever cientificamente a síndrome, é o que você pode fazer pela criança, mas não espere muito disso; no máximo você vai tornar as coisas suportáveis. Você não é nem o único, nem o último. "
"Ainda não é exatamente um filho. O pai não sabe disso, mas o que ele quer é que aquela criança trissômica conquiste o papel de filho. A natureza é só uma parte da equação. À noite, no bar, o pai se transfigura sob a cerveja e o cigarro, num otimismo romanesco. Decorou a sequência do amadurecimento neurológico, que passa a ter para ele o caráter de uma fórmula matemática — o túnel da linha de produção —, e explica didaticamente, a quem quiser ouvir, como em pouco tempo, talvez dois ou três anos, o seu filho será uma criança normal. Fala com a mesma compulsão obsessiva com que, às vezes, volta a descrever aspectos da perfeição do jogo de xadrez, em que foi viciado num curto período da adolescência, até que dele se livrasse para sempre depois de uma incontrolável crise de choro diante de uma derrota. É claro — ele explica, sentindo a falta de um quadro-negro, naquela zorra do bar, para melhor eficiência da explicação — que você tem de recuperar o atraso neurológico, por meio de sobre-estímulos. Ora, se a criança normal precisa ouvir apenas dois ou três sons agudos para dominar a reação instintiva a esse som, uma criança deficiente precisará ouvi-lo trezentas vezes até que a natureza recupere o que perdeu. Pois até comprei uma flauta doce, ele confessa em tom de quase ameaça, e passo o dia tirando umas notinhas perto do Felipe. Os sons agudos, percebe? — e ele abre outra cerveja. Veja aquele sujeito andando ali — confira a relação de movimentos entre pernas e braços. Parece simples. Pois na criança mongólica você precisa implantar esse padrão de movimentos, para despertá-la da névoa neurológica. É preciso compensar a falta da natureza; consertar o defeito de origem. "
" Teria de achar a palavra certa para explicar, as pessoas não sabem — talvez dizer “você viu meu filho? Ele é um menino com problema”, ou “ele é meio bobo”; ou, ele é “deficiente mental”, e tudo aquilo não corresponde nem ao filho nem ao que ele quer dizer para definir seu filho; ele é uma criança carinhosa mas meio tontinho, talvez assim ficasse melhor; não pode dizer “mongoloide”, que dói, nem “síndrome de Down” — naquela década de 1980, ninguém sabe o que é isso. "
"O choque de sair da escola das crianças normais para a primeira escola especial, quando a diretora devolveu o filho para ele. Não queremos seu filho — para ele, há escolas especiais, que têm treinamento e condições de tratar dele. Nós não temos. Para o pai, levá-lo à escola especial foi reviver aquela sala da clínica do Rio, quando ele percebeu pela primeira vez que seu mundo de referências seria definitivamente outro. A criança
também sentiu a diferença — nos primeiros meses de escola especial, o menino reagiu pelo isolamento e pelo silêncio. Não se reconhecia naqueles outros em torno dele. Durante algum tempo terá ainda uma relativa dificuldade para conviver com os seus iguais, aquele conjunto disparatado de casos a um tempo semelhantes e muito diferentes que partilham a escola com ele. "
"Aqui e agora: voltando para casa sem o filho, o mesmo filho que ele desejou morto assim que nasceu, e que agora, pela ausência, parece matá-lo."
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