Ricardo Rocha 06/09/2016
O livro é bom, mas não há como ignorar os gritos exaltados da contracapa e da orelha. É constrangedor. Vou pegar um outro livro “qualquer” na estante. Vejamos. As ondas, de Virgínia Woolf. Na capa, o nome dela, do tradutor, O título e o autor do prefácio. Na primeira orelha, um trecho (maravilhoso, por sinal, “O sol, alto, não mais encostado no colchão verde...”). Na outra capa, a importância de Virgínia para a literatura, baseada na superação dos limites da ficção naturalista. Breve notícia biográfica. Conhecida por suas posições feministas. Na contracapa, uma singela árvore. Tudo bem, outro. No caminho de Swann. Na capa, o nome da coleção, do autor, o título, o tradutor. A coleção. Na contracapa, uma palavra sobre o duplo e o realismo psicológico, as técnicas que Proust utiliza, a luta do espírito criador para deixar sua marca no tempo (bacana isso). Ah, mas que prêmios eles ganharam? Ok. Proust ganhou o Goncourt de 1919. A referência está na contracapa das |Moças em flor, entre parênteses, como informação final, acessória. O resto é igual ao anterior, difere ao especificar o lirismo desse volume em particular, o que significa na obra, como esboça o tema dos volumes futuros. Um terceiro. Um Nobel. Neruda. Canto geral. O nome dele. O título. Um passarinho. O nome da editora. Contracapa: Uma citação de um livro do autor em que diz que “naquela época escrevi meu livro mais importante”. Abaixo, contextualiza, fala do amor de Neruda pelo Chile e seu povo. Diz que Canto é uma história marginal da América Latina. Outro Nobel: O engate, Nadine Gordimer. Capa título nome dela editora (inclui a coleção “Premio Nobel”. Orelha, sobre o que é o livro, uma história de amor, choque cultural, o estilo do monólogo interior de onde a história nasce quando os personagens se cruzam. Na segunda orelha, uma foto da autora, outros livros dela, e no final, informa que ela ganhou, “além de inúmeras distinções, o Booker Prize” e que em 1991 “foi agraciada com o prêmio Nobel. A contracapa é um resumo das orelhas. Os prêmios estão juntos com a sinopse e a questão estilística. Começa e termina com a história. A capa de “O filho eterno é bonita”, chama a atenção, a sombra do menino. A primeira orelha faz uma meio que sinopse, preparando o coração do leitor para um “livro corajoso” de um dos “maiores escritores brasileiros”. O máximo que fala sobre o estilo do autor é “precisão literária”, quem em termos de precisão é bem vago. A segunda orelha não traz a biografia do autor mas do seu sucesso. De passagem diz onde nasceu para emendar que escreveu dezenas de livros, ganhou um monte de prêmios (especifica cada um). Que ele foi finalista de um premio em lingua inglesa. O site do autor. A contracapa, onde a gente vai procurar informações sobre a obra, tem a fotona do autor, um trecho de três linhas do livro. Um pouco menos da metade do espaço. Na metade abaixo, não apenas cita, mas especifica, não num texto corrido mas em separado, uma linha para cada prêmio, todos os prêmios. Para a maioria não faz diferença, possivelmente. Eu quase deixei de ler por conta de tanta exaltação mas não só, pela falta de informação, nesse primeiro contato que se tem com o objeto livro, sobre o estilo do autor e até mesmo sobre a pessoa, uma biografia decente. Não tivesse sido um presente, eu teria deixado de ler esse bom livro. Mas é bem constrangedor. Cristóvão Tezza e seu romance são maiores do que os prêmios que recebeu.