Isys3 21/04/2023
O absurdo do real
1Q84 do escritor japonês Haruki Murakami é um romance em que a possibilidade de resumir sobre o que o livro realmente se trata é bem baixa. A obra é uma coletânea de eventos interligados por fio, um fio invisível. Ainda que possa parecer complicado de entender, o autor costura as histórias de uma maneira calma e sútil. Como se tivesse praticado crochê durante a vida, assim como a escrita. Para os que gostam de psicanálise, a história tem um Q freudiano claro desde seu início, não se pode afirmar que Murakami leu Freud, mas certamente Freud leria Murakami. O papel da mãe, a importância da família na construção do ser social, a psique dos sujeitos e o mal-estar em sociedade são apresentados em Tokio na década de 80.
A estrutura é interessante, o livro alterna a vida e rotina de dois personagens em capítulos. Em algum momento a escolha dessas duas exatas pessoas, naquele exato ano, com aquelas circunstâncias e determinada sequência de eventos vão se interligar. Não que a história deixe isso claro, parece que é a última coisa que o autor deseja responder liricamente. Ainda assim, se torna impossível não pensar como Anomame e Tengo estão relacionados. Não que a história seja apenas sobre eles, no entanto são esses dois mundos, cheio de complexidade, que vão se expandindo.
“A embalagem se torna o próprio conteúdo” é uma frase de 1Q84 inspirada no Filósofo, Marshall McLuhan e, ajuda entender um pouco de como Murakami vê sua escrita. Em seu jeito escrever, as palavras funcionam como embalagens, ilustrativas e ao acaso, ao mesmo tempo, são elemento essencial do conteúdo. Então, toda palavra, toda data, toda estação, todo detalhe podem, e provavelmente tem, um lugar e um por quê. Outra coisa que se aprende no livro, é “esteja atento aos detalhes”, além da história o autor também está falando com o leitor.
Quando se lê um livro de outra cultura, a obra se torna um exercício de imaginar, não somente a história, mas também a moral daquela sociedade, seus valores, estrutura social, a geografia das cidades, a maneira de pensar. Em certo momento alguém viaja até as montanhas, e o que se estranha e incomoda é o silencio e o barulho dos pássaros. Como observador, sendo alguém que mora em Tokio faz todo sentido. O livro combina erotismo e tensão ao longo de todo livro, esse erotismo é ambíguo, conflituoso e lento. Homens com complexo de édipo desistiriam da leitura no segundo capítulo, ou será que seguiriam para suprir a fantasia?
Murakami conta a história de um livro e se torna um metalivro; pessoalmente metalinguagem sempre foi a minha figura de linguagem preferida. O elemento tsempre colocar o leitor em contato com os processos feitos. Crisálida de ar é a história dentro da história, pouco a pouco vamos sabendo sobre ela e seus impactos na realidade. O livro é capaz de te fazer sentir enjoo em alguns momentos, então respirar e absorver por um tempo é necessário. Por mais que o livro deixe muitas perguntas em aberto e isso segue até o fim dele, a curiosidade autor que o autor monta é ímpar. Para os amantes de suspense, ficção e distopias, 1Q84 é uma leitura nada obvia e nada comum, é um orgasmo literário com algumas frustrações platônicas.