spoiler visualizarRafael 16/01/2022
Abandono com alegria ao terminar o primeiro livro
Cuidado, a resenha contém tópicos sensíveis e expressões apresentadas no livro.
Agora entendo o motivo pelo qual o livro é sinalizado em alguns países como +18. Eis um livro que conseguiu me deixar extremamente incomodado. Primeiro contato que tenho com o autor e fico com uma mancha do mesmo.
Em 1Q84 temos as histórias de Aomame e Tengo, distintas, mas que aos poucos vão se entrelaçando. Com uma construção de enredo inicial maravilhosa, os quatro primeiros capítulos do livro criaram uma ambientação que eu não queria largar a estória até finalizar.
Aomame é uma assassina profissional e logo no primeiro capítulo começa a notar mudanças ocorrendo em seu mundo, o que sugere a existência de uma dupla realidade. Em outra perspectiva, acompanhamos a história de Tengo, professor de matemática e escritor que fica responsável por reescrever a obra Crisálida de Ar de Fukaeri, adolescente de 17 anos, que sofre com problemas que vão sendo apresentados no decorrer dos capítulos (não falo dos problemas pois podem envolver spoilers).
Partindo dessa premissa, teríamos um livro maravilhoso, certo? Errado. Muito errado.
Logo percebi que não era bem o que eu imaginava e comecei a me incomodar e muito com o livro.
Inicio com a objetificação das mulheres. A obra retrata todas as personagens femininas de uma forma desnecessária. Tudo acaba se resumindo aos seios e a erotização das mesmas. As relações entre Aomame e a policial Ayumi, por exemplo, reforçam o estereótipo de que homens sentem prazer ao imaginar/ver relações sexuais entre mulheres, tanto que há passagens que descrevem o que as personagens fizeram na relação, mas tudo sob efeito de álcool. Mas, o autor gosta de reforçar que nenhuma das personagens tem “tendência” ao lesbianismo:
“Saiba que, se você fosse feminista ou lésbica, eu não me importaria. Seria o de menos. Mas pra ser sincera, isso me deixa mais à vontade. Você me entende?”
Ou
“-Ah, não se preocupe. Eu não tenho inclinação para esse outro lado.” (diálogo entre Ayumi e Aomame).
Essa erotização também acontece com a personagem adolescente Fukaeri, justamente a personagem que passou por traumas de abusos sexuais. Ao mesmo tempo em que Tengo se preocupa com Fukaeri (“Quem realmente me preocupa é Fukaeri. Ela é só uma menina de dezessete anos”), ele também sugere à Fukaeri, em outra passagem:
- É, ir vestida como hoje, no dia da coletiva.
- Porquê?
- Porque fica bem em você. Minha intuição diz que, se você deixar à mostra os belos contornos dos seus seios, os repórteres, mesmo sem querer, não conseguirão tirar os olhos deles
Enquanto isso, os homens são pouco descritos em suas características, mas tem sempre a associação à um pênis grande para satisfazer os desejos sexuais. Isso me leva a outro ponto. A desnecessidade de certas passagens, a exemplo de:
“Queria segurar firmemente o pênis a ponto de bloquear sua circulação sanguínea e, com a outra mão, massagear carinhosamente os testículos”.
Ou ainda:
“Aomame se lembrou da noite anterior. Ela ainda sentia um leve resquício da penetração anal.”
Qual a relevância desses detalhes para a evolução da história? O tamanho do documento vai mudar o final do personagem? Seria algo que eu ignoraria, mas literalmente em cada página tem uma conotação sexual. Os diálogos como esses, repetitivos e cansativos, também empobrecem a construção da trama.
Esses problemas conseguiram tirar totalmente meu foco da estória principal, fazendo eu não me importar com o que estava acontecendo ao redor. Eu não consegui me apegar aos personagens. Há uma misoginia velada, há a irrelevância de certos problemas, há a menosprezo de sentimentos. O plot twist aparece, mas não a ponto de me fazer querer continuar a trilogia.
Leva uma estrela por ter me prendido no começo da história. Uma pena. Não recomendo a leitura.