Karamaru 11/10/2019
O DESPERTAR
É inegável a capacidade de James Joyce em subverter a linguagem para um estado de consciência. Isso pode ser comprovado com a leitura do “Retrato do artista quando jovem”, mas será assaz enriquecido, por certo, com a leitura de outras obras do autor. Mas é aqui, em o “Retrato...” que o escritor irlandês lança sua pedra fundamental.
Stephen Dedalus (SD), protagonista do romance, é um jovem irlandês, tímido e inteligente, que está se mudando para um colégio interno. As primeiras páginas do livro se encarregarão de mostrar ao leitor essa nova realidade: o cotidiano escolar, as amizades, os dissabores próprios da pré-adolescência e a formação de uma consciência.
Todas essas mudanças vão sendo habilmente talhadas por Joyce no plano do conteúdo e da linguagem, e, neste, as alterações nem sempre são tão perceptíveis, mas estão lá, seja pelo vocabulário mais refinado, seja pela sintaxe mais trabalhada que expressam o interior labiríntico da personagem, a procura de SD pelo seu eu e pelo seu lugar no mundo.
Há trechos memoráveis que, por si só, renderiam ótimas análises e discussões, como a cena da ceia de Natal, após as primeiras férias de SD, e o terrível sermão do padre Arnall sobre o inferno. É precisar aguçar o olhar – Joyce não joga com o óbvio. Neste último excerto, por exemplo, para intensificar o horror do inferno, o pároco, já com o plateia hipnotizada, vai se afastando do relato bíblico. Lances que só os mestres fazem.