spoiler visualizarClarissa 24/03/2024
Dostoievski, meu filho, quanta honestidade você entregou.
Minha gente... O que é isso?!
Dostoiévski, meu filho, o que tu fizeste nesse teu livro chamado "Memórias do subsolo" ?
O homem desnuda o personagem com tamanha honestidade e coragem, que estou assim... Sei lá... Que RIQUEZA de leitura! Quanta honestidade esse autor entregou nessa OBRA! Tenho certeza que não pude captar a metade do que esse livro entrega e sei que esse é daqueles livros que farei outras "viagens" por ele ao longo da minha vida, que assim seja! Amém! rs.
Nessa história, ao meu ver, a invisibilidade foi um personagem marcante juntamente com as idealizações do personagem sem nome (o homem do subsolo), que é o único sem nome na história, imagino que esse pode ser um elemento que traz essa invisibilidade vivida pelo personagem, que me pareceu ter buscado certo reconhecimento, mas que não obtendo a conquista das suas idealizações, foi se tornando um homem adoecido, amargurado, rancoroso que foi criando certas defesas para amparar essa ferida que foi sendo construída, inclusive por ele mesmo, no decorrer da sua vida. Ele precisava acreditar que era mais do que era, mas as vezes a verdade passava pelas "gretas" e a dor, o sofrimento, as vulnerabilidades, a insignificância do personagem apareciam e atravessavam as defesas que ele foi construindo. Essa ruptura das defesas do personagem pode ser vista através das oscilações do mesmo quando este falava algo e voltava atrás, num conflito entre manter suas ilusões e enfrentar as suas verdades. Como num determinado trecho da obra em que ele diz que se lhes dessem uma delicadeza, um olhar afetuoso, ele desarmava.
"Sem nome" precisava se ver como um ser humano especial, melhor que os outros, que para ele são insignificantes e deveriam ser gratos por sua presença no ambiente. Qd ele se pergunta o que ele está fazendo ali com certo grupo, mas ele ali segue, me parece que pq precisava se sentir pertencente, desejado, reconhecido. Na busca pelo seu propósito de ser reconhecido, acaba forçando a sua presença e parece cair no lugar da repetição do sofrimento, que é a invisibilidade, o não ser quisto, parece que inconscientemente vai seguindo com certa sabotagem, já que insiste em algo que lhe causa dor e marca a invisibilidade. Me parece que ele se pune por não ter se tornado o que almejava e por não ter sido reconhecido nessas idealizações que construiu para si. Me veio agora uma frase do Nietzsche que me parece de certa forma conversar com o personagem dessa obra: "O idealista é incorrigível. Se é expulso do "céu", faz um ideal do seu inferno". E "sem nome" não chegando onde almejou, desfaz do outro, do mundo, como uma forma de se fazer acreditar que o problema está fora e não dentro, nele, mas o encontro com seus sofrimentos, frustrações acaba por acontecer, emerge as memórias do "subsolo", daquilo que estava escondido, reprimido, recalcado, talvez para evitar que essa vulnerabilidade, essa dor de não ter alcançado o que idealizava, alcançasse a consciência, evitando o encontro com o próprio espelho ou com suas idealizações não cumpridas.
Buscou desesperadamente a visibilidade, o que pode ser visto na cena na qual ele entra num bar na tentativa de causar uma briga e ser jogado de lá para fora como o outro que viu sendo lançado porta à fora, mas não tem êxito. Há também o exercício de poder visto em várias situações do livro, como por exemplo, na cena com o homem que ele esbarra na rua e entra num duelo interno entre não recuar e esbarrar no sujeito, aparecendo aí novamente a questão da invisibilidade. Em várias cenas parece que há uma tentativa do personagem em reparar a ferida narcísica, ou seja, reparar a dor de não se aceitar, de está frustrado com o que se tornou (que é camuflada por uma idéia de ser melhor que os outros), sendo muitas vezes cruel com o outro que ele considerava que estava abaixo dele, como na relação com a prostituta. Ele retorna para o outro uma raiva que parece sentir por si.
Me parece que as dores do personagem marca certa busca frustrada por amor (reconhecimento), por um olhar afetuoso do outro, mas que ele mesmo, talvez dada a condição emocional na qual se encontra, não dá conta, não sabe mais como receber, ao meu ver. Um livro que me faz pensar como cada um, consciente e inconscientemente, vai buscando formas para lidar com as suas dores, que muitas vezes nem são percebidas, e nem sempre essas formas são as mais saudáveis. Essa pode ser uma das leituras que essa obra suscita. Fico curiosa para conhecer outras visões sobre essa história tão complexa e humana.
Dostoievski, meu filho, obrigada! Experiência extraordinária!
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