spoiler visualizarDouglas MCT 26/02/2015
As Crônicas de Gelo e Fogo: O Festim dos Corvos (ou: O Livro de Cersei)
Ao terminar o quarto livro, me pergunto porque ele foi tão massacrado pelos fãs, sendo este um livro TÃO bom?
Primeiro, imaginei que esses fãs se referissem a jornada de Brienne. Perdida, sem rumo, anda de um lado ao outro e não chega em lugar nenhum. A Donzela de Tarth busca por Sansa nos arredores do Tridente, mas sabemos que ela está no Vale. A obviedade nos leva a crer que a feiosa vai dar voltas e voltas até encontrar a ruivinha. Mas obviedade não faz parte da literatura segura de George R. R. Martin. Através de Brienne, o autor dá um desfecho com bom sabor de vingança para o restante dos Saltimbancos Sangrentos, a inspirada passagem pelos Murmúrios, Ilha Quieta, o mistério sobre o Cão de Caça, e ainda fecha com a aterrorizante participação da Senhora Coração de Pedra com seus enforcamentos aflitivos. O gancho ao final é insuportável. Teria a Donzela de Tarth sobrevivido a vingança cega da criatura que um dia foi Catelyn?
Segundo, imaginei que alguns ainda odiassem Sansa, agora Alayne Stone, no Ninho da Águia, com Mindinho, o chato Robin e toda aquela treta que se desenvolve sobre a morte de Lysa Arryn e os senhores do Vale. Mas é tão incrível como a raposa Baelish faz artimanhas para sair ganhando e como Alayne aprende a jogar o jogo da maneira mais improvável possível.
Terceiro, Jaime. Ele era odiável no primeiro livro, mas depois e gradualmente, se revelou um dos personagens mais ricos da saga e aqui, nesta quarta obra, ele brilha mais do que sua mão de ouro. Destaques para sua passagem por Darry e principalmente as consequências em Correrrio, onde ele prova seu valor, mais para si do que para os outros (e ele ter ligado o foda-se para Cersei no final é de se aplaudir).
Quarto, as poucas cenas em Dorne. Arianne Martell é uma personagem fortemente humana, tridimensional e interessante, e o núcleo de personagens (Garin, Estrela Negra etc) que a acompanha na arriscada missão com Myrcella, também não deixa nada a desejar. A cena dela aprisionada pelo pai, Doran (que no último capítulo dela no livro dá uma de Mestre dos Magos e não diz coisa com coisa, mas mostra uma relação com os Targaryen), é de uma riqueza ímpar. Ela e as Serpentes da Areia ainda tem muito o que render na trama. Posso compreender a fúria dos fãs aqui, por quererem mais (e tem muito pouco), mas isso jamais tira a qualidade da obra. Pelo contrário.
Quinto, Victarion e Euron. Os irmãos Greyjoy, o Deus Afogado, o rei dos piratas etc. A cultura desse povo é riquíssima, e inicialmente não entendemos onde Martin quer levar essa parte do enredo. Acredito eu que Vic e Euron ainda terão um grande papel a desempenhar contra Dany. Os personagens são muito interessantes e não ocupam tanto espaço assim, somente o suficiente -- por isso o mimimi aqui não se aplica.
Sexto, Cersei. Eu brinquei acima, falando que o livro é dela, porque é a personagem com mais capítulos. De todos após o terceiro livro, a Rainha é a que continua a jogar do jogo dos tronos e se revela a personagem com menos camadas de evolução. Desde criança, sempre foi mimada, nojenta e insuportável. Além das interessantes cenas dela com o novo Alto Septão (os Estrelas e as Espadas tem um conceito de "Cruzada" e os "Inquisidores" que é sensacional), a montagem do novo Conselho e de seus esforços pra derrubar Margaery, ainda somos presenteados com aquele flashback inspiradíssimo envolvendo Maggy, a Rã. O desfecho de Cersei neste quarto livro me alargou um sorriso de satisfação. Eu queria muito que ela se ferrasse e Martin sabe como agradar seus leitores (ainda que sacrifique outros tantos queridos pelo caminho).
Sétimo, Arya, ou a Gata dos Canais. Poucos capítulos, mas todos entre os melhores da série. Excepcionais. Arya, aliás, sempre protagoniza as melhores cenas dos livros. A Casa do Preto e do Branco, o homem gentil, as docas de Bravos etc. Arya segue evoluindo incrivelmente, na tentativa de se desprender de quem é, ao mesmo tempo que vive um conflito com sua vingança pessoal. E o cliffhanger motherfucker: deixá-la cega no final. Isso vai render.
Oitavo e último e não menos importante, Sam, Goiva, Aemon deixando uma herança de conhecimento, uma pontinha com Snow, outro crossover de Tarly com os filhos de Ned Stark, e aquele desfecho redondinho, onde Martin prova sua maestria que, ainda que tenha tomado a estranha decisão de dividir um livro em 2, não cronologicamente, mas por região, acaba amarrando bem ao colocar Sam de encontro a Marwyn, o Mago, e aos acólitos de Vilavelha. Lá está Pate, que na verdade é o Alquimista (do Prólogo) e que, sem sombra de dúvidas, é também Jaqen H´ghar, um dos Homens Sem Rostos de Bravos. Isso vai render ².
PS: Nymeria, a loba fugidia de Arya no livro 1, está causando bastante na região do Tridente. Sim. Isso vai render ².
O Festim dos Corvos conta uma história de consequências. A Tormenta de Espadas é, de longe, o melhor livro da série até agora (enquanto que A Fúria dos Reis é a mais fraquinha, mas nunca 'ruim'). Só que OFdC, na minha opinião, disputa bem o segundo lugar. A obra desenvolve o contexto pós-guerra e o impacto das ações passadas de alguns personagens de maneira muito rica e inspirada. Me estranha muito um leitor de Martin, a essa altura do campeonato, não perceber isso. É o estilo do autor, faz parte da construção de terreno pra o que virá depois. O livro tem grandes momentos e os últimos capítulos são tão impactantes, ou desesperadores, ou agonizantes quanto o final do primeiro ou terceiro livro, sem erro.
O Festim dos Corvos vale a pena. É um puta livro, ao contrário do que alguns são levados a acreditar ;)