Renan Barcelos 07/10/2016
A Roda Gira e os Problemas Diminuem, mas Persistem
Lançado apenas onze meses após seu antecessor, O Olho do Mundo, o segundo volume da Roda do Tempo mostra certo amadurecimento tanto em sua trama quanto no narrativa do autor. É provável que a escrita de A Grande Caçada tenha sido iniciada mesmo antes do lançamento do primeiro livro série e é notável as diferenças que a obra possui em relação a anterior, abandonando o uso tão aparente da “Jornada do Herói” e dessa vez entregando um desfecho satisfatório. No entanto, se alguns problemas foram sanados em A Grande Caçada, uns foram apenas mitigados e outros não foram tão trabalhados, de forma que quem não tiver se agradado com O Olho do Mundo, dificilmente irá se interessar pela série em sua sequência. Aos que gostaram do estilo de Robert Jordan e sua Roda do Tempo, contudo, devem ficar satisfeitos com a obra.
A Grande Caçada se inicia algumas semanas após os eventos de O Olho do Mundo. Rand e seus amigos ainda estão em Shienar, e o rapaz pretende partir em breve, pois, como é um homem que consegue canalizar o Poder Verdadeiro, corre o risco de enlouquecer e ferir os seus amigos. No entanto, qualquer planejamento que o grupo pudesse ter acaba sendo atrapalhado pelo roubo da Trombeta de Valere, artefato místico que haviam encontrado no Olho do Mundo e que ao ser tocado irá trazer de volta heróis do passado para combater pela luz ou pela escuridão.
E assim a Roda do Tempo gira mais uma vez. Saindo um pouco do clichê campbelliano mas continuando a se estabelecer dentro da maioria dos padrões da fantasia tolkeniana que existiu aos montes durante a década anterior ao lançamento do livro. Aparentemente necessitando de uma longa viagem, Rand, Mat e Perrin – os jovens rapazes dos Dois Rios que são tão importantes para o mundo quanto para a trama – dessa vez não precisam mais fugir, mas o seu papel acaba sendo perseguir o homem conhecido como Padan Fain, um personagem monocromaticamente maligno, que, servo de diversas forças do mal, havia estado ao encalço dos jovens no livro anterior. Justamente o homem que roubou a Trombeta.
Em se tratando da viagem por si só, A Grande Caçada faz pior do que o seu antecessor. A perseguição à Fain começa bem, mas conforme o grupo liderado por Ingtar começa a ter dificuldades de alcançar Fain e seus trollocs – criaturas “bucha de canhão” das forças das trevas aparentemente obrigatórias em fantasias tolkenianas – a caça à trombeta começa a ficar um tanto quanto entediante. Quando Rand al’Thor, junto de Loial e Hurim – um membro da raça ogier e um humano que consegue farejar maldade e atos de violência – acabam se separando do grupo e indo parar em um mundo paralelo desabitado que usado da forma certa, pode servir de atalho, a primeira impressão é de que a novidade traria uma mudança no ritmo do livro, mas não é o que acontece.
A ideia em si não é exatamente um problema, embora as duas formas de viagem rápida acabem por ser usadas como muletas no livro, quando o autor precisa que alguém chegue em algum lugar na hora certa. A questão toda é que os capítulos de Rand – a maioria do livro – a partir do ponto em que ele se separa do grupo são muito repetitivos, sem proposito e ou um tanto quanto forçados. Não é que Rand al’Thor seja um personagem ruim. Inclusive, o autor deixa ele bastante interessante devido a paranoia que se apodera dele. O protagonista não consegue confiar nas Aes Sedai, principalmente Moirane, que o salva no primeiro livro, não consegue deixar de lado a possibilidade de enlouquecer e se sente constantemente se empurrado para se tornar alguém que ele não é. Rand não quer ser um herói, não quer ter ares de nobreza e austeridade. Só quer ser ele mesmo, mas sua jornada o força a agir de forma que não gostaria.
Talvez Robert Jordan devesse ter ouvido um pouco mais seu próprio personagem e lhe concedido a benção de, se ao menos não pode deixar de ser quem está destinado a ser, ao menos tivesse menos capítulos no livro. Claro que ele é o grande protagonista e não tem motivos para deixar de ser (embora uma posição completa de coadjuvante fosse trazer elementos interessantes à história), mas toda essa coisa de ser o escolhido, o Dragão Renascido, reencarnação de Lews Therin Telamon, destinado a enfrentar o Tenebroso e tudo mais... parece acabar fazendo com que o autor lhe dê mais destaque do que o necessário. A verdade é que o autor desenvolve muito bem o drama de Rand desde o início do livro... mas fica se repetindo e repetindo e os apresenta e reapresenta tudo o que o leitor já sabe sobre o personagem.
E esse é provavelmente o maior erro do livro. Porque quase que a totalidade dos capítulos são vistos pelos olhos de outros personagens são tão ou mais interessantes que a jornada de Rand. Porque não ter mais de Egwene e Nynaeve, ambas treinando em Tar Valon para se tornarem Aes Sedai e que acabam tendo contato com uma civilização estranha? Ou então um pouco mais de Thom Merrilin, que luta para se manter fora das intrigas e dos perigos, mas parece ser sempre puxado de volta para os conflitos? Quem sabe mais cenas de Moiraine, que quase não aparece? E quanto a Perrin, que só ganhou umas poucas cenas? Isso para não falar de Mat, que tem possibilidades incríveis de caracterização mas que o autor insiste em subutilizar e retratar como um personagem menor (embora isso provavelmente mude no próximo livro).
Mas isso não significa que A Grande Caçada é ruim. O segundo livro da série Roda do Tempo supera o primeiro em praticamente todos os aspectos, um deles é justamente o fato de apresentar outras visões do mundo e utilizar personagens diversos para mostrar acontecimentos de locais distantes. Como por exemplo, a invasão dos Seanchan, um estranho impériode concepção madura e original, que durante a maior parte da história é vista através dos olhos de personagens menores. Isso sem falar no final da obra, que apesar de ter tido deslizes – não deu fechamento a personagens e ganchos que eram muito importantes para a trama – foi muito melhor e muito mais satisfatório do que em O Olho do Mundo.
Apesar do foco desnecessário em Rand al’Thor, a maioria dos personagens – incluindo todos os cinco jovens de Dois Rios – mudaram ao decorrer da história, amadurecendo, endurecendo e aprendendo a odiar. O grande destaque vai para Egwene, que passou por experiências que – apesar de terem merecido mais cenas – mudarão completamente a personagem. Esse tipo de coisa de fato serviu para deixar a história muito melhor, no entanto também traz uma tristeza por saber que o livro poderia ter sido muito mais do que ele é caso o autor tivesse cortado as cenas de Rand que não trazem nada para – literalmente – a Roda do Tempo.
A Roda do Tempo gira, e é notável a diferença entre os dois livros. No entanto, isso não se deve ao autor ter corrigido os erros que cometeu na publicação anterior. Houve sim alguns aspectos que foram sanados, no entanto a maioria dos problemas se manteve, embora tenham sido bastante mitigados. Dificilmente alguém que não gostou de O Olho do Mundo seria seduzido pela continuação, no entanto os que gostaram da primeira obra de Jordan irão se sentir gratos pela leitura e querer mais da Roda do Tempo. Mas é difícil negar que o autor poderia ter cedido um pouco do espaço de Rand para mostrar mais dos outros personagens... e fazer com que eles não fossem enganados por vilões tão extremamente suspeitos.
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