João Ferro 27/02/2019
Primavera num espelho partido (Título orginal: Primavera con una esquina rota, 1982) é um romance do uruguaio Mario Benedetti. Trata-se da obra de fevereiro enviada pela @taglivros (curadoria) e escolhida por Julián Fuks. Conta a história de um preso político, Santiago, o qual foi uma das vítimas da Ditadura Uruguaia entre os anos e 1973 a 1985, e de sua família exilada na Argentina. A narrativa não linear se realiza por conta de diversas pessoas: Santiago, sua filha criança, Beatriz, sua esposa Graciela, seu pai, Dom Rafael. Além disso, o próprio Benedetti é narrador-personagem em alguns capítulos.
Os capítulos, redigidos por esses diversos personagens, são curtos e a leitura, fluida. O horror de uma ditadura se retrata através de diversos pontos de vista, desde uma percepção infantil como a de Beatriz até os relatos de um ancião como Dom Rafael. Assim, a obra desenha a vida e a realidade daqueles que foram afetados por esse tipo de acontecimento político (ditadura). Tal cotidiano se oferta de uma forma natural, sem o interesse de doutrinar o leitor com ideologias. A trama demonstra apenas as condições do ser humano diante de uma prisão política: a postura do próprio preso, de seus familiares, amigos, etc, e as dificuldades, dilemas, dúvidas, descobertas e impasses pelos quais passa cada um desses personagens.
A história começa meio perdida com relatos casuísticos. Esses testemunhos são peças e pedaços de tecido, que, no andar da narrativa, vão se encaixando, tornando-se um rico mosaico e uma harmônica colcha de retalhos. O resultado final expõe de uma forma sutil, quase resignada, todas as dores vividas por aquelas pessoas. Chega a dar a impressão de que se trata de um retrato, uma fotografia da tragédia, humildemente ofertada ao consumidor da arte, de modo que este possa ver a beleza dentro daquelas agruras.
Encontrei alguns erros de português na tradução, mas entendo que esses descuidos fazem parte da narrativa descompromissada e desapegada do rigor estilístico. A narrativa se faz um gesto singelo, cuja a intenção é mostrar, por meio de uma arte leve, a monstruosidade representada por uma ditadura. Bom livro, recomendo. Parabéns à @taglivros e Editora Alfaguara por mais essa experiência literária.
Instagram: @leitorbolado