spoiler visualizarMalu Caires 09/04/2018
O tempo e a distância podem mudar quem amamos?
Primavera num espelho partido é o quarto livro que leio do Benedetti e a cada vez me impressiono mais com o lirismo de seus textos. Cada voz narrativa nos trás uma perspectiva da mesma história, de forma que é possível se identificar com cada personagem, que nos mostra que na vida real não tem bons ou maus.
"Enrolou e desenrolou muitas vezes uma de suas lindas madeixas negras e depois disse, deixe-os sem deixá-los, não intervenha a não ser que peçam, deixe-os e verá que a vida não somente continua, como você diz, mas também se acomoda, se reajusta. Talvez tenha razão. Todo esse terremoto nos deixou mancos, incompletos, parcialmente vazios, insones. Nunca mais seremos o que éramos antes. Melhores ou piores, cada um saberá. Por dentro, e às vezes por fora, uma tormenta passou sobre nós, um vendaval, e essa calma de agora tem árvores caídas, telhados desmoronados, terraços sem antenas, escombros, muitos escombros. Temos que nos reconstruir, é claro: plantar novas árvores, mas talvez não haja nos hortos as mesmas mudas, as mesmas sementes. Erguer novas casas, fantástico, mas será melhor que o arquiteto se limite a reproduzir fielmente o projeto anterior ou será infinitamente melhor que repense o problema e desenhe um novo projeto, que contemple as nossas necessidades atuais? Remover os escombros, dentro do possível, pois também haverá escombros que ninguém poderá remover do coração e da memória."
"[...] O simples fato de não triturar o assunto com palavras que se repetem e se gastam e nos desgastam, esse simples silêncio irá nos ajudar, irá nos ajudar a nos amarmos como somos realmente e não como teríamos a frágil obrigação de ser."
"- Pensa que sou muito inconstante, não, Rafael?
- Não. Penso que todos nós, os que estamos aqui e os que estão em outras partes, vivemos um desajuste. Uns mais, outros menos, nos esforçamos para nós organizar, para começar de novo, para botar um pouco de ordem em nossos sentimentos, em nossas relações, em nossas saudades. Mas assim que nos descuidamos, ressurge o caos. E cada recaída no caos (perdoe-me a redundância) é mais caótica."