OceaneMontanea 19/05/2020Esta (como quase todas do Skoob) não é uma resenhaO que é ser livre? Quão longe alguém precisa ir para fugir do seu passado? Qual é a relação que se estabelece entre pessoas que sofreram os mesmos males? Alguém que é "dono" de outro ser humano pode ser considerado "justo e bom", inclusive pela própria pessoa que é objetificada?
Para as personagens de "Amada", fechar-se, trancar tudo o que lhes aconteceu numa caixinha bem lacrada no fundo da memória, correr para longe, para o lugar mais diferente possível do local de sofrimento é a única possibilidade de seguir em frente. "Libertar-se era uma coisa; reclamar a propriedade desse eu libertado era outra".
No auto exílio em que vivem, as lembranças do passado isolam e unem essas pessoas. Da mulher mais velha a mais nova se notam diferentes níveis de raiva, vingança, trauma e tristeza, atenuados quanto mais longe no tempo estão dos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que se sentem [*****]mplices e intimamente ligados pelas memórias que compartilham, como é o caso do encontro entre Sethe e Paul D inicialmente, esse mesmo conhecimento do passado afasta quem não quer reviver dores e problemas éticos, como também acontece com Sethe e Paul D mais tarde. "A cabeça dele que entendia a dela. A história dela que era suportável porque era dele também".
Para lidar com tudo o que foi vivido, todos desenvolvem suas pequenas loucuras: a mulher cuja comida era regada de lágrimas, a velha que dormia de olhos abertos, outro que dormia debaixo da cama. A liberdade algum dia será plena para quem já foi escravizado?
O corpo de Baby Suggs toma consciência de si mesmo no momento da libertação oficial, comprada por seu filho quando "já era tarde demais", e sua vida já estava resumida a deixar seus filhos de lado para cuidar dos outros. Seu corpo escravizado nunca existiu fora de sua função de trabalho. Quando está oficialmente livre, nota pela primeira vez que seu coração bate. Mas algum dia estará livre do medo, dos fantasmas (de dentro e os de fora- Amada)? As marcas da escravidão vão deixar de influenciar as mulheres dessa família, na medida em que as gerações passam? Até onde vai a memória da dor vivida pelos nossos ancestrais?