Flavia_Lo 24/05/2024
Eu não estou nada bem.
Fui dormir muda e acordei calada, de tanto choque e indignação.
Esse é o segundo livro que leio da Carla Madeira e nada me preparou pra quando ele me desestabilizou.
Como já era de esperar, essa história passeia muito por emoções e ações muito humanas, a Custódia desde muito cedo foi muito podada, por ser a única filha mulher em uma família muito conservadora. Tudo isso acarretou que abraçasse a primeira oportunidade de se casar, para sair da casa dos pais.
Mesmo vivendo um casamento sem amor, sem parceria, sem absolutamente nada que um bom relacionamento precisa para se estruturar, ela se arrasta pelos dias como se essa fosse a melhor e única opção, aquele era o grande desejo de Deus pra vida dela e como uma boa serva, ela seguia persistente a base de orações.
Quando as coisas parecem que vão melhorar, toda essa ausência de sentimentos é ocupada com ódio e rancor, por conta de uma decisão tomada por mágoas.
Esse livro conta com dois pontos de vista, um do passado e um do presente (que se passa praticamente em um único dia).
O início mesmo sendo triste e denso, me fez ter certeza que esse livro seria bem vai leve que ?Tudo é Rio?, mas parece que eu me enganei (risos), os acontecimentos mais pesados acontecem nas últimas 50 páginas de livro e foi o suficiente para me gerar angústia e uma crise de ansiedade.
Foi sufocante num nível que eu não esperava, o primeiro livro que li dela, me trouxe muita dor e desespero, mas esses momentos eram sempre quebrados por um capítulo mais leve, essa brincadeira de sentimentos que a autora faz, é uma analogia ao rio (que tem partes mais agitadas, mais calmas, mais baixas e mais altas).
Mas nesse, as coisas mais densas aconteceram aos poucos e depois tudo de uma vez, o que me deixou fisicamente mal, chegou um momento que eu só queria abandonar, mas a curiosidade pra saber o que ia acontecer era melhor.
Não sei se foi proposital, mas nesse livro a narração em 3° pessoa tem voz ativa e tem seu próprio ponto de vista, a Carla continua tratando de assuntos pesados e os personagens não tomam as atitudes, que nós pessoas de fora, julgamos como apropriadas.
Só que dessa vez, a narradora não personagem faz muitos comentários sobre os temas, deixando mais explícito o posicionamento da autora sobre tudo. Não sei se ela fez de propósito, mas grande parte dos debates levantados no livro anterior pelos leitores, ela traz de volta nesse, mas agora de uma forma mais explícita, enquanto ?Tudo é Rio? ela deixa muito em aberto as interpretações, aqui ela direciona o leitor em uma linha de raciocínio.
Trecho do livro:
"Há tanto tempo ela queria ter ido embora. Quem a impediu? Por que não foi? Por que se pôs assim na rota do imperdoável? Não dependia financeiramente dele, mas ficou. Ficou porque estava presa à inabalável convicção de poder penetrar na rocha! Talvez no miolo da rocha houvesse uma carne terna. E ela queria essa ternura mais do que tudo. Sabia Deus por que acreditava nisso. Sabe Deus por que acreditamos no que inventamos. [...] Uma vez, ele fez as malas, mas ela as desfez. Pensou ter visto um desamparo tão grande que se comoveu. Mas o miolo da rocha é mais rocha. E uma mulher não deve se enganar quanto a isso: se é preciso força para tocar no amor de um homem, melhor deixá-lo. Mil vezes: melhor deixá-lo."
Eu gostei muito dos temas abordados, família, amizade, maternidade, irmandade, religiosidade excessiva, exaustão, abandono?
Compartilhei minha leitura com a minha amiga que já tinha lido e na reta final a minha única reação foi não ter reação, tive que dormir para organizar melhor meus pensamentos.
Enfim, ainda prefiro ?Tudo é Rio?, mas esse sem dúvida é o que aborda temas que me interessam mais e que me deixou ansiosa pra saber o que iria acontecer no final. Quando os capítulos do passado e do presente se encontram, muitas coisas fazem sentido. É uma leitura cheia de culpa, de julgamento e de empatia.
Li sem pressa, tracei metas de dois capítulos por vez, estava lendo outros livros no momento, então não era todo dia que eu lia, por conta disso demorei mais do que provável pra um livro curto.
Mas agora eu entendi aquela trecho da live da Bel Rodrigues: "Véspera do que, Carla Madeira? Do meu enterro, da minha morte, do meu colapso? Não chorei, não me tremi. Simplesmente senti um vazio, preenchendo todo o meu corpo e pensei: o que estou fazendo aqui? No mundo?" Até agora sinto esse vazio só de lembrar.
Só quem conhece ou já conheceu uma mulher que insiste e da tudo de si em um relacionamento, na tentativa de mudar um homem, que acredita firmemente que ele é pessoa boa, sabe como é difícil ver alguém próximo de você, ser apaixonada por uma pessoa que não existe, uma mera idealização em meio ao caus.
Quero muito ler ?A Natureza da Mordida?, porque eu vi um vídeo de indicação que começava assim ?Dizem que o império romano de toda menina, é a forma abrupta que a amizade com a primeira melhor amiga dela acabou? isso foi o suficiente pra me convencer (risos), não sei quando, mas vou ler.
Aí Flávia, você vai ler outro livro dela, você se odeia ou se ama? Analisando minhas últimas leituras (tirando os romances de "tira gosto") tô começando a achar que me odeio mais do que eu imaginava.
obs. Muito obrigada padre, por ser o alívio no meio de todo aquele drama (risos), Abel, saiba que nada brilha em você, apenas minha raiva. Carla, entre na minha casa e escreva mais livros de gente problemática.