Carol 22/05/2020
Se o primeiro já era bom...
Se o primeiro livro o deixou encantado e ao mesmo tempo impactado com a capacidade da autora em mesclar seus aspectos fantásticos com a essência brasilis, prepare-se para essa continuação. Estamos em 1998 e o mundo bruxo está na reta final para as eleições presidenciais. Quando marcadas por um acontecimento surpreendente, as mudanças virão a cavalo, retirando nosso fôlego. E os alunos do Korkovado serão os "privilegiados" a sentirem tais mudanças de imediato. Esse plano de fundo apontará definitivamente o tom da narrativa da saga, que de inocente fantasia não tem nada.
Hugo ainda é o mesmo protagonista orgulhoso, incrivelmente esperto, mas com um pavio mais longo - ou é a sua meta. Assombrado pelas consequências de seus atos passados, ele está determinado a mudar (com acertos e tropeços nesse processo). No seu segundo ano, Idá está - mentalmente - preparado para pôr em prática sua tolerância e controlar assim seu gênio. Mas de boas intenções o inferno está cheio e Hugo não tardará a perceber que seus erros podem gerar sequelas ainda mais dolorosas.
Como prometido pela autora, somos apresentados a mais uma escola de magia, agora em Salvador: a acolhedora Cidade Média. Korkovado é sublime, mas o Instituto Paranguaçu de Ensino Bruxo é envolvente pela singularidade - nunca antes o termo multicultural fez tanto sentido. Como educadora, a proposta de ensino da escola é de fazer sorrir: tanta troca de saberes, a perda de papéis hierarquizados, a liberdade e respeito entre as mais diversas diferenças. Misturando, novamente, a história azêmola (ou mequetrefe, como preferir) com a história bruxa, Renata Ventura novamente acerta na dose perfeita da criatividade com o real (por isso seus livros são tão verossímeis, embora sejam fantasias).
Não é de hoje que Renata Ventura consegue criar personagens tão reais em suas virtudes, mas principalmente em seus erros. Adulto ou criança, professor ou aluno, pixie ou anjo - todos passam por momentos de confrontamentos sobre si. É inquietante para os leitores, pois
nos tira da zona de conforto de uma segmentação romântica. E, pasmem, nem o grande vilão que chegou para ficar de vez (para todos os outros volumes, espero - ah, acreditem, ele faz por onde...) escapará dessa construção dúbia. Odiados, amados ou tratados com indiferença - todos seus personagens são respeitáveis por suas construções.
Tal qual o primeiro, sua continuação é rica em folclore, história do Brasil, divertidas referências a sua saga inspiradora (Harry Potter) e uma riquíssima 'mitologia' própria. Renata é uma autora de detalhes, preocupa-se com aspectos que talvez não fossem priorizados em outras situações (como a linguagem - oi, Esperanto!); é um convite às mais diversas análises, pois há muito o que ser explorado nas páginas do livro.
Com discussões filosóficas, políticas, sociais, familiares, religiosas e espirituais, A Comissão Chapeleira é uma obra-prima da fantasia nacional contemporânea. É um livro para rir, deixar a imaginação à solta, para refletir, se emocionar e se indignar - tudo isso condensado em uma narrativa arrebatadora.