Evy 28/11/2011DESAFIO LITERÁRIO 2011 - Tema: Contos / Mês: Novembro (Livro 2)Acabei lendo os livros do Desafio Literário fora de ordem e este ficou por último dos que tinha pra ler da Clarice Lispector, sendo de todos, o que mais gostei. É realmente uma felicidade clandestina ler Clarice, mergulhar com ela nas profundezas da alma e desvendar mistérios da essência humana. Todos os contos abordam acontecimentos simples do dia a dia, mas que mostram tanto sobre a personalidade e a vida dos que estão retratados na linguagem única e extremamente estruturada de Clarice. Além disso, Clarice também se revela em alguns contos, como é o caso do que dá título a este livro.
Em "Felicidade Clandestina", Clarice nos conta um pedaço de sua infância quando já era apaixonada por livros e foi torturada por uma garota da escola, que por inveja de sua beleza, a fazia andar todos os dias até sua casa para buscar um livro que nunca estava lá. Clarice na ânsia de ler o tão desejado livro, saía pulando pelo caminho na felicidade e esperança de ter o livro nas mãos e voltava sempre tristonha pra casa com as desculpas que a garota inventava para não emprestar o livro desta vez. Certo dia porém, a mãe da garota vai até a porta quando Clarice está lá para descobrir porque a menininha loira vai todo dia a sua casa e descobre a perversidade da filha, obrigando-a a emprestar o livro na mesma hora. Esta parte do conto é lindíssima e não tenho palavras para explicar por isso posto o trecho do conto:
"Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim"
Postei também este trecho, pois acredito que ele é realmente a representação de todos os demais contos escolhidos para compor esta lindíssima obra. Em todos eles é possível vislumbrar as pequenas e grandes felicidades clandestinas dos personagens. Como é o caso de "Cem Anos de Perdão", onde a felicidade era roubar rosas de um jardim, "Uma Esperança" em que a felicidade se traduz na visita de uma linda borboleta, "Os Desastres de Sofia" que traz a felicidade de uma garota em provocar seu professor fazendo bagunça na sala, "O primeiro beijo" que conta a linda história de um garoto que beija uma estátua e nisso está sua felicidade clandestina.
E é como nosso cotidiano e nossas felicidades clandestinas. É nisso que Clarice me cativa e encanta. É impossível não se ver espelhada em suas palavras, e é incrível como ela aborda temas que nunca achamos que outros tenham vivido ou passado e que nos sentimos confortados em ler. Clarice pra mim tem essa dualidade de sentimentos. Ao mesmo tempo que ela nos força a encarar sentimentos que não estamos talvez preparados para ver, ela nos conforta com acontecimentos em que pensamos: "que bom, não é só comigo".
E por esta razão e muitas outras que já cansei de escrever, Clarice é leitura mais do que recomendade. É essencial.