Hildeberto 17/03/2022No dia seguinte ninguém morreu"As Intermitências da Morte", de José Saramago, é um pequeno romance dividido em duas partes essenciais.
Na primeira, Saramago imagina o que aconteceria com o mundo se a morte fosse abolida. Diferentemente da alegria pela vida eterna, o autor descreve um cenário caótico, com os problemas se acumulando pela impossibilidade de morrer (aposentadorias, hospitais lotados, crise econômica, etc.) e as pessoas demonstrando seu pior lado (inclusive a máphia, com "ph", se aproveitando da situação).
Na segunda, ele personifica a morte, que passa a interagir com os humanos por meios de cartas violetas, as quais avisam que os remetentes morrerão em sete dias. Excepcionalmente, umas dessas missivas é retornada, e a morte transformar-se em mulher para resolver o problema causado por um violoncelista solitário.
Além de uma forma peculiar de escrever, muita fluída depois que nos adaptamos ao estilo econômico em pontos e outros sinais de pontuação tradicionais, as obras de Saramago são marcadas por muitas reflexões interessantes. Há duas delas que se destacam neste livro, para pior e para melhor.
Para pior, a autor, como ateu militante, não perde a oportunidade de fazer comentários depreciativos sobre o cristianismo; a questão não é que ele não possa fazê-los, mas sim que ele os repete à exaustão, chegando a uma insistência impertinente.
Para melhor, metaforicamente ele transforma a morte em mulher, que, como mulher, se submete ao amor, levando a conclusão que o amor é capaz de submeter a morte. Isso é tão bonito como parece, e a forma como o português escreve é de uma singeleza ímpar.