Luana1208 02/03/2023Não se apegar ao que se pode entenderAcabei este livro no início do ano e estou até agora (março de 2023) pensando sobre ele. Escrevo essa resenha na intenção de me despedir e seguir em frente, rs.
Fazia tempo que não lia um livro com tanta vontade como li “Com armas sonolentas”, da autora Carola Saavedra. A escrita prende a gente de maneiras distintas pra cada uma das três personagens. A primeira fase do livro é mais acessível e me prendeu de imediato, li rápido com bastante vontade de conhecer essas personagens ao mesmo tempo que buscava pistas pra entender a relação entre elas.
O capítulo da Avó, que simbolicamente não sabemos seu nome, é tão magnético que eu leria tudo de uma só vez se não fossem as dores tão profundas descritas ali. A gente como leitor se indigna com a vida que a personagem esta sujeita a levar, enquanto ela em sua inocência não percebe a dureza da realidade - ou escolhe não perceber, por ser uma percepção cruel e estar tão impotente diante daquilo. Mas o inconsciente percebe e ele se manifesta na figura da sua própria avó, que representa a sabedoria ancestral indígena da personagem. Sua avó a acompanha por dentro, enquanto por fora sua lucidez vai se esvaindo. É com essa arma sonolenta que ela lida com uma vida de privações e violências das mais diversas.
Já a Anna é a personagem que a gente detestaria dentro de um senso comum, partindo de uma visão superficial. Mas a forma como a narrativa nos faz entendê-la e se identificar com ela mostra o quanto os julgamentos são errôneos e todos nós estamos suscetíveis a nossa própria humanidade. Ela abandona a filha ao escolher não se abandonar, e nesse momento o seu subconsciente – personalizado pela aparição de uma capivara - a convence que vão cuidar do seu bebê, e realmente cuidam.
O bebê abandonado, anos depois, é a jovem Maike, que apesar de ter tudo de material que poderia precisar lhe faltava o afeto. Ela não se vê pertencente em nada do que vivencia e, em um momento que se permite dar voz a intuição percebe sua conexão com o Brasil e com a língua portuguesa - que é de onde sua família vem, mas ela não sabe. Com a ajuda de seu amigo de infância que vive em uma clínica psiquiátrica, mas que sabe que muito mais do que se imagina, ela resolve vir pro Brasil.
Na parte dois, já entendemos a relação das personagens e elas estão se direcionando invariavelmente umas as outras. A busca da Avó por sua filha pra finalmente fugirem juntas; a busca da filha pela mãe e pela filha que abandonou, através da peça de teatro em que expõe suas dores mais profundas; a busca da filha abandonada pelas ruas do Rio de Janeiro, procurando pertencimento e sentido. Elas se buscam, seja pela mágoa, seja pelo destino, seja pela intuição; a medida em que conhecemos mais e mais da mente, do coração e do inconsciente das personagens.
Em muitos momentos do livro senti que não alcançava as referências trazidas pela autora, o que me incomodou de início, mas depois entendi que tudo bem, cada bagagem vai induzir a uma leitura diferente do livro. No fim o encontro não acontece de fato, ou acontece parcialmente, não se consegue ter muitas certezas na parte dois do livro porque tudo é permeado de sonho, de delírios, pelo onírico. O que é extremamente bonito e um pouco confuso, como é a mente e os sentimentos da gente mesmo. Por nos levar a não se apegar ao que se pode entender é que faz tanto sentido o tão esperado encontro ser um desencontro. Terminei o livro de coração apertado pelo desenvolver das personagens, queria vê-las juntas. Mas talvez elas já estejam juntas ao se munirem com armas sonolentas para enfrentar e entender a vida que lhes cabe.