spoiler visualizarLets Aquino 21/05/2024
Um livro curto, um retrato realístico e dilacerante da família retirante brasileira.
Vidas Secas nos retrata a vida de uma família de retirantes do sertão, fugindo da fome, da seca, da precariedade – mas não é somente a seca que castiga essa família, são os homens, a sociedade que ridiculariza, humilha e se aproveita dessa situação vulnerável – é a falta de oportunidade e de humanização, de reconhecimento.
Uma família que não consegue interagir no “meio dos homens”, sentem-se desconfortáveis dentro de roupas, sapatos apertados, não sabem socializar, mal sabem se comunicar, comunicam-se com grunhidos, gestos e gritos – Fabiano em uma passagem diz: ”não é homem, ‘é bicho’, afinal, ‘vivia longe dos homens, só se dava bem com animais’”.
Em uma pequena interação social no boteco, Fabiano acaba por ser espancado e preso injustamente, por não saber expor com eloquência seus pensamentos, “não sabe usar as palavras”, Sinhá Vitória não é “letrada”, mas faz contas com sementes, é inteligente, Fabiano confia no que ela diz pois é sempre sensata, e percebem que são roubados pelo dono da fazenda que se aproveita do trabalho e da “inocência” deles, que não sabem que tem direitos.
Os meninos são negligenciados, os pais acham “estão perguntadores demais”, mas a mãe que sonha com um destino diferente para os meninos, que deseja que sejam educados, que tenham as oportunidades que eles não tiveram.
E nessa família rude, de poucas palavras, castigados no mundo, encontramos amor entre eles – em uma das passagens, o mais bonito é o senso humano dentro de Fabiano que, ao contrário dos “civilizados” demonstra compaixão, civilidade e racionalidade ao deixar de cometer um assassinato por vingança quando tem a oportunidade, mantendo um diálogo e uma batalha ética dentro de si mesmo – não é covarde como pensa, é ético e não se aproveita de sua vantagem em relação ao outro. Também percebemos isso quando se sente obrigado a matar Baleia e isso pesa em sua consciência, tendo a cachorra como parte da família, lembrando das vezes que Baleia os ajudaram a matar a fome com suas caças, tentando pensar meios de não a fazer sofrer, pensa no cavalo que deixou à própria sorte e que sucumbirá e sente pena, remorso.
Quem leu Vidas Secas e não se abalou com o capítulo de Baleia ou é desalmado ou leu errado, não é à toa que Baleia é uma das personagens principais, participativa, e que o autor dá voz a seus pensamentos, nos dilacerando o coração.
É um livro que nos chama para nossa humanidade, para perceber que o outro menos afortunado é gente como a gente, e que os animais também compadecem, sentem e merecem nosso respeito e cuidado.
É muita coisa para dizer sobre um livro tão pequeno - muita análise, muitos detalhes a mencionar então, irei parar por aqui, pois ainda estou digerindo o tanto que aprendi com essa obra magnífica.