emol.ga 22/05/2024
Relato contemporâneo demais sobre uma vida de miséria
"Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Não tinha; [...]Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais e nunca ficaria satisfeito."
Em um pequeno projeto de reler alguns clássicos da literatura brasileira, "Vidas secas" acabou sendo o primeiro da lista e de forma resumida: Que leitura! Apesar de publicado em 1938, o relato contido em cada página ainda mostra a realidade de muitas famílias no sertão nordestino, o que para mim, trouxe um gosto amargo a boca e uma reflexão pesada sobre como levamos nossa vida e como reclamamos por nada, afinal, além da nossa bolha existem realidades bem mais duras e pesadas.
Graciliano Ramos, consegue perfeitamente nos transportar para o sertão seco e arrido da narrativa como se estivéssemos de corpo e alma ali, sofrendo junto a família de retirantes, buscando por uma terra melhor longe de toda aquela miséria costumeira que a estação de seca traz consigo. O sentimento da narrativa é tão vívido que em alguns momentos, me senti sufocada e revoltada com os relatos de injustiça, perda e dureza daquela vida; me peguei até mesmo grunhido junto aos personagens em alguns momentos mais contraditórios. Para mim, uma eterna leitora e sonhadora, os sonhos frustrados e demasiadamente simplistas foram os pontos que mais me pegaram durante a leitura. Desde ver Sinhá Vitória sonhar como uma cama digna como a de Tomás da bolanderia, mas que para isso deveriam abrir mão de materiais necessários para sobrevivência, até mesmo a vontade de Fabiano em conseguir se comunicar com exatidão para ser entendido pelos outros, ou parafraseando o próprio sertanejo, deixando de ser bicho para virar gente. A interjeição "Meu Deus!" Foi a coisa mais falada por mim durante a leitura, seja por espanto, por raiva, tristeza e até mesmo alegria, porque em tamanha desgraça, a família ainda conseguia achar momentos de alegria e comunhão, sejam esses sonhando acordados ou passando algum tempo juntos como os irmãos brincando de moldar vacas com o barro ou os afagos do mais velho a cachorra Baleia; cachorra esta, que entendi como sendo o elo central de humanização da família e personagem mais conhecido da trama.
Com 13 capítulos e aproximadamente 180 páginas, "Vidas Secas" é um livro relativamente rápido de ser lido, ainda mais se você se envolver intrinsecamente com a história dos personagens, tornando a leitura ainda mais prazerosa. Entretanto, não se engane, pois apesar de breve, a escrita traz uma profundidade ímpar que aliada a escrita de Graciliano, conseguem elevar a experiência da leitura a outro patamar, sendo fácil entender o porquê do livro ser tão conhecido e o porquê de ser uma leitura quase que obrigatória. Recomendo sem medo, principalmente aos que desejam um choque nu e cru de realidade.