de Paula 04/11/2021
Lady Macbeth russa
Esse livro é uma novela bem rápida de ler, assim como a peça original de Shakespeare, Macbeth, porém não perde em nada na questão psicológica da obra, que cada vez tem o clima pesado, a cada crime cometido.
O início da narrativa lembra muito Madame Bovary: a jovem casada com um homem mais velho de posses que leva uma vida tediosa até começar a se relacionar com outro homem. As semelhanças, é claro, acabam por aí. Na sequência começa a narrativa inspirada em Shakespeare, porém com elementos que aproximam o leitor e o deixam abismado com a crueldade da dama. Ela age como as assassinas em série costumam atuar, primeiro um cianureto, depois parte para violência, sempre em prol de ter o que quer.
Diferente da Lady Macbeth shakespeariana, Catierina possui elementos que unem as atitudes do casal usurpador numa única pessoa. A escocesa tem remorço, mesmo que seja a sua ideia de poder e cobiça que leva ao assassinato do rei Duncan, e em decorrência disso enlouquece e se mata, deixando o marido só com uma multidão de crimes nas costas. Mesmo o Lord Macbeth apresenta arrependimento nos momentos finais, quando as árvores se deslocam até ele, mesmo que não tenha desistido de lutar. Já a protagonista de Leskov é muito mais fria, calculista e determinada. Não acredito no amor dela com Serguiêi, ao contrário do casal shakespeariano que se amava de fato, Catierina queria a emoção de fazer algo da vida, não ser a boneca de porcelana do marido e a serviçal do sogro. Tudo o que ela faz é para não voltar a sua vida anterior.
Com a punição e o desprezo do servo do marido, ela se sente apaixonada, mais uma vez pela emoção de sair da vida monótona. O problema é que o ego da jovem é ferido e as consequências são previsíveis. Esperava, no entanto, que ela matasse quem de fato a feriu, mas eles não estavam preparados para isso na época, embora haja um cunho feminista fortíssimo na obra.
Sempre me identifico com a realidade do povo russo, acho que a formação do nosso povo é muito semelhante e por isso os sentimentos que os movem são os mesmos que movem os brasileiros. O contexto escravocrata é muito semelhante ao regime de servos, assim como os grupos de poder sempre acima dos menos favorecidos, e independente de tudo isso, a esperança continua movendo o povo. Isso é de uma beleza que consigo ver e sentir presente na obra com todos os escritores russos que li até o momento.
Acho que as mulheres são representadas como protagonistas importantes, com voz e atitudes próprias nas obras russas da época que demoraram a aparecer na literatura ocidental, exceto por raras exceções. Catierina é uma mulher muito forte, determinada e focada, mesmo que para o mal. Sinto que a personagem deva ter incomodado na época, mas faz total sentido ela tomar as rédeas da sua vida perdida.
Serguiêi faz o papel das bruxas na mente da sua amante, induzindo-a aos crimes para se livrar dos que ameaçam o seu caminho, o mesmo que as três irmãs fazem com Lord Macbeth, enlouquecendo-o e fazendo-o eliminar seus inimigos dentre os seus entes mais queridos de outrora.
Há um elemento muito semelhante ao conto de fada russo chamado O pescador e o peixe, onde a ganância do casal os levou a miséria no fim das contas, o que acaba acontecendo aos amantes, que no afã de realizar seus objetivos se esquecem que as atitudes e escolhas trazem consigo consequências.
Um livro curto, brilhante e mesmo que tenha uma clara referência a outra obra literária conhecidíssima, não perde a sua importância e as emoções e reflexões que despertam no leitor são únicas. Vale muito a pena conhecer!