Núbia Esther 26/07/2017Apesar de Gaiman ser mais conhecido por suas graphic novels (ou pelo menos era assim quando anos atrás eu descobri o autor), o conheci por meio de seus romances. E ainda que tenha planos de ler toda sua obra, ainda não me aventurei pelos quadrinhos. Por outro lado, depois de ter adorado a leitura dos contos do Ted Chiang (veja a resenha de História da sua vida e outros contos), decidi conhecer o lado mais minimalista do Gaiman e pegar sua coletânea de contos Alerta de Risco para ler. O livro traz 24 contos, que representam, a miscelânea de vertentes exploradas pelo autor em suas obras. Há fantasia, terror, histórias de vingança e de amor, de ficção científica e de superstições, contos de fadas e investigativos. Em prosa curta, prosa longa e até mesmo em poemas. Em comum, todos eles compartilham essa mescla de fantasia e realidade e que podem até mesmo provocar perturbações, efeito que Gaiman fez questão de frisar em sua introdução.
“Essas histórias me perturbaram e assombraram meus sonhos – os noturnos e os diurnos -, provocando em mim preocupação e incômodo em níveis profundos, mas também me ensinaram que, ao ler ficção, eu só descobriria os limites de minha zona de conforto se saísse dela. (…)
Ainda há coisas que me perturbam profundamente quando encontro essas histórias, seja na internet, no texto ou no mundo. Nunca se tornam mais fáceis, nunca deixam de fazer meu coração bater mais forte, nunca me permitem escapar ileso. No entanto, elas me ensinam, abrem meus olhos e, se me machucam, o fazem de maneira que me leva a pensar, crescer e mudar. ” (Páginas 10 e 11)
Se eu for falar de cada um dos contos, esse texto pode ficar deveras cansativo. Então, peço licença para pontuar aqueles que mais marcaram a leitura de Alerta de Risco. A começar pelo primeiro conto, na verdade um poema. Fazendo uma cadeira fala sobre o processo de escrita e serve como um pontapé inicial para a proposta de Gaiman em sua coletânea. No segundo conto, Um labirinto lunar, Gaiman explora o (seu?) fascínio por atrações de beira de estrada, algo que ele já havia feito antes em Deuses Americanos. O conto é também uma homenagem ao escritor Gene Wolfe. Detalhes de Cassandra brinca com a dualidade entre o real e o imaginário e como o fato de que uma história sempre tem dois lados.
A verdade é uma caverna nas montanhas negras foi publicado como um livro único, com ilustrações de Eddie Campbell. As ilustrações devem ter dado um toque todo especial à história, mas, para os que assim como eu não tem o livro, Gaiman nos fez um favor ao incluí-lo na coletânea. A história traz a jornada de um anão que está determinado a chegar na caverna nas montanhas da Ilha das Brumas. Um lugar cheio de ouro, mas que cobra um preço muito alto aos que o retiram dali. Para guiá-lo em sua jornada ele contrata o reaver Calum MacInnes. Mas, o anão tem seus segredos e essa não é uma simples viagem em busca de ouro. O preço cobrado foi alto, mas não era o que eu esperava e o conto ficou ainda melhor por causa disso. Laranja traz uma boa trama, mas o mais interessante é como Gaiman estruturou o conto. A história inteira é contada na forma de um interrogatório, do qual só temos acesso às respostas. A tarefa de preencher as lacunas tornou a leitura cativante. Um calendário de contos surgiu de um projeto de mídia social com a BlackBerry. Um conto para casa um dos meses do ano, inspirados por mensagens enviadas à Gaiman no Twitter. Alguns dos contos ficaram bem legais (o de janeiro é realmente muito bom), a outros ficou faltando algo. Mas, o mais legal foi todo o sucesso que o projeto teve nas redes sociais.
Caso de morte e mel foi escrito para a coletânea de Laurie King A Study in Sherlock. E sim, é um conto com o famoso detetive Holmes. Um caso pós “aposentadoria”, entre aspas porque Sherlock nunca se privaria de uma boa investigação, envolvendo abelhas, mel e uma inspiração em Dorian Gray. Ainda não havia associado Gaiman à romances investigativos, mas a mistura deu muito certo. Há também contos de terror em sua face mais clássica como em Xique-xique Chocalhos, e contos de fadas totalmente às avessas. Além disso, os fãs do Doutor encontrarão aqui o conto escrito para a coletânea Doctor Who: 12 Doutores, 12 Histórias. E Cão Negro, o conto escrito especialmente para esta coletânea e que traz uma das muitas aventuras de Shadow (de Deuses Americanos) em suas andanças do outro lado do Atlântico.
Há contos fracos e regulares, mas também há excelentes histórias que acabam compensando esses escorregões. Gaiman pode não ter conseguido nos transportar para os confins do universo em todos os contos, mas nos que ele conseguiu, a viagem realmente valeu a pena.
[Blablabla Aleatório]
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