spoiler visualizarThalyta Vidal 20/06/2023
Será Eurídice tão invisível assim?
O título da obra é objetivo ao evidenciar Eurídice, uma de suas protagonistas, como uma mulher cuja trajetória foi de invisibilidade. Contudo, desconfiei dessa objetividade a partir da experiência mais próxima à Euridice que queria ser Eurídice. A obra, inicialmente, promove uma experiência mais pausada ao leitor, as ações se arrastam refletindo um tédio como o vivenciado pela personagem em destaque ao terminar suas obrigações "femininas" diárias e sentar no sofá esperando as horas parecerem dias. A esposa, mãe, filha exemplar que conduz as ações parece não ser tão invisível para sua vizinha, sempre de olho na sua vida. Essa mulher é motivo de fofocas, será tão invisível assim? Eurídice, embora sempre vítima de uma sociedade falocêntrica silenciadora, está constantemente inventando. Seu livro de receitas, seu ateliê, suas pequenas rupturas dão espaço para alguém cuja força é capaz de romper, mas que sempre recai na obediência inquestionável ao marido, cujas explicações são desnecessárias. A monotonia volta a permear sua vida, bem como a do leitor. A experiência, no entanto, é alterada a partir do momento em que Guida reaparece na vida da protagonista. A alegria, as risadas exageradas, a alteração do espaço de quebra e a interrupção de desejos surgem ignorando qualquer imposição patriarcalista, embora ainda dentro do seu sistema- é dúbio, eu sei. Os pequenos encontros provocam transformações que, a um leitor desatento, passarão desapercebidas, dada a pequena pincelada que Batalha dá acerca dessa alteração. Ao fim, o livro escrito na gaveta nos mostra que a mulher invisível percebeu não só sua invisibilidade, mas a de outras mulheres, fazendo de sua experiência uma voz libertária que, infelizmente, está presa numa gaveta sem leitores. Como mulher, é impossível, em algum momento, não se ver em Eurídice. O projeto de texto primeiro longo e depois interrompido pela explicação sobre o passado de personagens diversas me incomodou um pouco. Porém, fiquei pensando se não seria esse um reflexo da movimentação que a vida de Eurídice vai tomando até a chegada do whisky e o cigarro num apartamento que tem o mar emoldurado em sua janela.