Franco 09/01/2017
História dinâmica e envolvente
Às vezes a gente pega esses livros mais antigos e se surpreende: não esperávamos algo tão dinâmico assim para algo escrito lá em 1900-e-guaraná-com-rolha.
E O Fio Da Navalha é definitivamente um livro dinâmico.
Ele se passa numa ampla faixa de anos, e essa transição temporal é muito bacana para dar a noção de desenvolvimento e destino dos personagens. Os personagens, por sua vez, são num número razoavelmente grande considerando a forma delicada com que o autor os explora, analisa e os faz progredir conforme as páginas progridem. E estes personagens transitam por diferentes lugares, de países a cafés parisienses, dando um ritmo quase road movie.
Quanto à trama em si, curiosamente ela não existe plenamente. A única coisa que existe são os personagens e tudo gira em torno deles. Mais especificamente, em torno do Larry, um sujeito que tinha tudo para fazer girar aquela apaixonante roda dos EUA da década de 1920, uma roda de bom emprego, prosperidade, jantares disputados e bom casamento... tinha tudo, mas se recusou a participar disso e saiu em busca de um sentido maior para a vida.
Esses personagens vão, então, compondo o eixo da narrativa, e aí os acontecimentos são meio que secundários, quase acessórios de que se servem os personagens para mostrar quem são, como pensam, o que temem e o que desejam. Não espere, portanto, grandes clímax.
O narrador da história é o próprio autor do livro, o que confere um ar de história verídica. Ao mesmo tempo, sua narrativa em primeira pessoa dá aquele toque de familiaridade muitas vezes quebrando a rígida barreira que separa autor do leitor (por exemplo, quando se dirige diretamente ao leitor ou faz comentários explicando porque escreveu isso assim ou assado, nessa ou naquela ordem).
Notável também, e isso parece inevitável na literatura inglesa, é a grande importância das questões de classe - ou status social, simplesmente. Apesar de não ser propriamente a coisa mais importante do romance, é uma tensão que está em toda página e serve de gatilho para conhecermos muito dos personagens apresentados.
É, pois, um bom livro e conta uma história envolvente. De algum modo, o livro conversa com uma vontade que todos nós (uns mais, uns menos) temos, que é essa busca por um sentido além do dinheiro ao final do mês e do orgulho de ter esse emprego ou aquela reputação. De forma sutil e sem ser piegas, introduz alguns elementos interessantes do orientalismo espiritual, hoje já bem vulgarizado e presente no mundo todo.
A única falha do livro, me parece, foi o final. Parece ter faltado algo, como que acabando abruptamente. Além dessa sequidão, foi um final que não combinou com a sutileza das páginas anteriores: todo o panorama traçado indiretamente pelos personagens é resumido e apresentado quase de bandeja.