Leila de Carvalho e Gonçalves 18/05/2022
Sucesso De Vendas
Em 2021, um dos livros de ficção mais vendidos no país foi Tudo É Rio, de Carla Madeira. Sem dúvida, uma conquista auspiciosa de nossa literatura num mercado dominado por títulos estrangeiros, entretanto o que pouco se comenta é que o romance, a despeito de ser a estreia da autora, é um relançamento, isto é, ele foi lançado em 2014 por uma pequena editora, a Quixote, e passou praticamente despercebido pela critica e público. Somente após receber uma segunda edição, com o selo de uma grande editora, a Record, Tudo É Rio obteve o sucesso literário que hoje desfruta.
A bem da verdade, Carla Madeira começou a escrever o livro no final da década de noventa, porém a situação dramática exposta na narrativa paralisou sua escrita e ela só conseguiu retomar quatorze anos depois. Em linhas gerais, a história gira em torno de um triângulo amoroso formado por uma prostituta, Lucy, e um casal, a piedosa Dalva e o rude Venâncio, enfrentando uma tragédia familiar.
O resultado reporta a uma literatura provocativa, cujo proposta é atrair a reflexão do leitor para assuntos, como o ciúme, violência doméstica e pedofilia. Sinteticamente, por meio de uma trama folhetinesca, Madeira propõe uma instigante indagação: ?É possível perdoar o imperdoável??.
A resposta traz à pauta nossa condição humana, ou seja, as condições que impomos a nos mesmos para poder sobreviver e para tanto, a escritora situou a história numa cidadezinha atípica e numa época qualquer, permeada de uma atmosfera fabular.
Trata-se do pano de fundo ideal para redimensionar a noção de misericórdia, tendo como trunfo a prosa poética de Carla Madeira. Por sinal, uma prosa que revela domínio da linguagem e encaminha a narrativa para um desfecho pouco previsível, superficialmente conciliador e até perigoso, ao idealizar uma relação abusiva.
Finalmente, como afirma Cris Guerra no Prefácio, Tudo É Rio é um romance em que ?tudo é intenso, tudo é muito. E a vida, como metáfora de um rio, tudo traz, tudo leva, tudo lava. Menos o amor. O amor é uma verdade à prova do tempo?.
?De que é feita então a justiça divina? De mistérios que devemos engolir como saliva? Se Deus sabe o que faz, e sempre faz o que quer, para que servem a prece e o fervor de quem suplica? Será um capricho nos querer ajoelhados? A vida revela sem constrangimento que alguns são ouvidos, outros não. Acaso não somos todos iguais diante do Senhor? Se o exemplo vem de Deus, se devemos buscar ser sua imagem e semelhança, que exemplo Deus nos dá quando uns se tornam mais merecedores do que outros? Não estaria a justiça divina inspirando a injustiça humana?? (Página 62)