Sabrina 13/07/2012
Um livro inesquecível
Ler Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, é simplesmente arrebatador. O livro tem vida, as páginas parecem pulsar ao ritmo do cotidiano da cidade de Ilhéus da década de 1920. Não é à toa que Jorge Amado é tão celebrado.
[SPOILERS]
A história se inicia quando Nacib, descendente de sírios, mas tipicamente brasileiro, se descobre subitamente sem cozinheira para preparar os doces e salgados que serve no bar do qual é dono. Desesperado pela falta de mão de obra, ele acaba contratando uma retirante da seca no sertão: Gabriela.
Está criado o pano de fundo para a obra que é uma verdadeira crônica social de uma cidade em pleno desenvolvimento. Pelo bar passam os principais personagens, e da vida deles o leitor vai sabendo, página a pagina. Assim o escritor resume o que significava viver naquela cidade com tantas perspectivas de progresso.
Jorge Amado resume precisamente no início do livro que nada representou tanto o progresso da sociedade naquele ano como a paixão de Nacib e Gabriela. O casal quebra com o costume de que marido traído deve matar esposa e amante. Eles também introduzem a ideia de casamento por amor, mesmo entre classes tão distintas. E entre eles ocorre ainda uma espécie de divórcio, impensável naquela época.
O enredo mostra ainda um relacionamento aberto depois da separação do casal protagonista. E vai além de apenas demonstrar o progresso da cidade: mostra claramente as consequências de se tentar mudar a essência de uma pessoa devido ao casamento, de forçá-la a agir de uma forma que vá contra a sua natureza, apenas devido aos costumes esperados pela sociedade na qual se vive.
Mas Gabriela, a personagem principal do livro, é realmente o que há de mais brilhante na obra de Jorge Amado. Ela é um enigma, e tão bem construído psicologicamente que instiga o leitor a tentar desvendá-la, a tentar entender por que ela age assim. Faz parar de ler por uns momentos para refletir, para entender. Se Gabriela amava Nacib tanto assim, por que o traiu? Mas é apenas por alguns instantes, pois logo o leitor vai continuar a virar as páginas num ritmo mais frenético ainda.
Fiquei chocada ao perceber o comportamento da personagem principal, mas me recusei a julgá-la no calor da emoção. Isto porque o escritor faz com que se crie uma simpatia desde o início com a protagonista, e não conseguia pensar nada de mal dela. Depois, entendi que Gabriela é a personificação da simplicidade. Para ela ser feliz era necessário muito pouco. Ela é tão simples, que chega a ser ingênua, de uma pureza tocante, capaz de amar de uma forma linda, apesar de toda a sensualidade que representa.
É por isso que ela não é uma heroína típica, que só tem qualidades. É uma personagem que cativa qualquer leitor. E aí aparece mais uma vez a genialidade de seu autor: muito mais do que retratar Gabriela por si mesma, por suas falas, ações e pensamentos, Amado a retrata através da visão dos outros personagens. Por ser uma protagonista, pode-se considerar que pouco dela é genuinamente mostrado. O resto é subjetivo, é para ser lido nas entrelinhas.
E a presença de Gabriela norteia todo o livro, apesar de haver ainda muitas histórias enlevadoras, como a de Malvina, moça de ideias modernas, que foge para quebrar com a tradição de ter que obedecer a um marido e cuidar de um lar; a de Mundinho Falcão, que revoluciona a política; a de Jesuíno, primeiro coronel a ser preso por crime passional na cidade; e tantas, tantas outras, que tem em comum entre si o fato de demonstrar como Ilhéus vai se transformando por causa do progresso trazido pelo cacau. Tudo isso sem esquecer de contar como era no passado.
Ler as páginas de Gabriela, Cravo e Canela é ser transportado para outro tempo, devido a uma descrição de cenário que quase é possível tocá-lo. Durante alguns dias, vivi naquela Ilhéus, e desejei ser um de seus personagens. Essa é a força de Jorge Amado: nos faz captar uma realidade, e nos faz amar seus personagens como se fizessem parte de nossas vidas. São histórias que, apesar de retratarem um período histórico, são atemporais, pela força das emoções que carregam.