spoiler visualizarMillene.Grandemagne 31/03/2019
A busca pelo significado da vida
Pelo título imagina algo muito diferente do que é o livro, também esperava bem menos, tendo em vista comentários de que esse seria um dos piores romances do autor, mas, mais uma vez Ian McEwan não me decepcionou.
O livro conta a história de uma erudita juíza, Fiona, de quase 60 anos que, logo no início do livro, passa por uma crise com o marido da mesma idade. Ele reclama pela falta de emoção, sexo e paixão no relacionamento e que não deseja terminar a vida desta forma. Iniciando um caso com uma outra mulher de 28 anos, a juíza o expulsa de casa, magoadíssima.
Neste ínterim, ela passa a se questionar sobre a própria vida: ter se dedicado apenas ao trabalho e aos estudos e ter deixado a vontade de ter filhos sempre para depois, que ficou tarde demais e o quanto sua vida íntima era colocada de lado, visto que sempre tinha muito o que fazer.
"Pura sorte, chegar ao mundo com seu corpo devidamente formado e com tudo nos lugares certos, ter pais amorosos e não cruéis, escapar à guerra e à pobreza por um acidente geográfico ou social. E, por isso, descobrir que é muito mais fácil ser virtuoso" (p. 35)
Juíza em uma Vara de família, com casos de sucesso, chega a vez do caso Adam Henry: um jovem de quase 18 anos com leucemia, que depende de uma transfusão de sangue para se salvar, mas recusa, visto que ele e sua família são testemunhas de Jeová. A decisão recai sobre as mãos de Fiona que, antes, decide ir visitar Adam, o qual a surpreende pela inteligência, talento e paixão pela vida. Adam também se encanta com a Juíza com a qual canta uma balada.
"Num campo junto ao rio, meu amor pousou de leve/ A mão branca como a neve/ No meu ombro inclinado, me dizendo/ Que levasse a vida com leveza,/ Como o capim cresce na margem da represa; / Mas eu era jovem e tolo, e hoje só me resta chorar."
Fiona decide aprovar a transfusão de sangue, salvando a vida do menino.
Depois disso, Adam fica perdido na vida, sem saber o que fazer, vai atrás de Fiona inúmeras vezes, até que se oferece para morar com ela e o marido, para ser como um "aprendiz" dela. Nesta ocasião ela o manda embora e, no momento da despedida, eles acabam se beijando nos lábios levemente.
"Todos tinham vontade de fugir do mundo, poucos ousavam fazê-lo" (p. 186)
"Quem sabe quanto tempo temos. Não muitos anos. Ou voltamos a viver outra vez, a realmente viver, ou entregamos os pontos e aceitamos que vai ser uma droga daqui até o fim." (p. 176)
Fiona acaba recebendo o marido de volta em casa, visto ele não ter conseguido traí-la e, em um concerto, fica sabendo que Adam se suicidou: a leucemia voltou e ele não aceitou a transfusão de sangue, pois já estava com 18 anos. Fiona se sente culpada, por não ter percebido os sinais que ele havia dado a ela, por não ter prestado atenção nas suas cartas e não ter respondido ao não dado maior atenção, preocupada com a sua reputação.
"Lá, com a autoridade e dignidade de sua posição, ela lhe havia oferecido, em vez da morte, toda a vida e o amor que se abriam diante dele. E proteção contra sua religião. Sem fé, como o mundo deve ter lhe parecido ilimitado, belo e aterrador!" (p. 191)
"Que vergonha sentia agora dos temores mesquinhos que tivera sobre sua reputação! Aquela transgressão escapava ao alcance de qualquer comitê disciplinar. Adam a tinha procurado e ela não ofereceu nada no lugar da religião, nenhuma proteção, embora a lei fosse clara ao determinar que sua principal preocupação devia ser o bem-estar dele. Quantas páginas em quantos julgamentos ela já não devotara esse propósito? Bem-estar, felicidade, um conceito social. Nenhuma criança é uma ilha. Ela pensava que suas responsabilidades terminavam na porta do tribunal. Mas como seria possível? Adam tratou de encontrá-la, querendo o que todo mundo quer, e que só pessoas de mente aberta, e não o sobrenatural, podiam dar: um sentido para a vida" (p. 192)