Higor 29/05/2021
'20 melhores livros do século 21': Livro 13
O impacto que Chimamanda Ngozi Adichie causa ao mundo é inegável: além de romper a barreira do mundo literário e apresentar a todos, de maneira simples e moderna, a Nigéria, um país, assim como os demais do continente africano, ignorado estereotipado e com imagens que acentuam mais a miséria e a pobreza que um país que produz algo culturalmente interessante. Ironicamente, apesar de seus problemas sociais e políticos, a Nigéria é conhecida como A Gigante da África, por conta de suas riquezas, tendo o maior PIB de toda a África.
Não demoraria muito, então, para que um nome despontasse de lá e fosse uma voz que representasse não somente a Nigéria, mas a África como um todo: Chimamanda, escritora, foi catapultada para níveis inimagináveis, tanto que é um ícone feminista, figura constante nas listas de personalidade ou influência do ano e abocanhando, claro, os maiores e mais importantes prêmios não apenas de literatura africana, como escrita em inglês.
Por fim, Chimamanda colocou não apenas um, mas dois livros na lista de "Melhores Livros do Século 21", feito igualado apenas por outra mulher, a inglesa Zadie Smith. Este "Americanah", 13º, é uma história bastante moderna e espinhosa sobre assuntos necessários, diante do cenário que estamos vivendo.
A jovem Ifemelu está voltando para a Nigéria depois de 13 anos de muito sofrimento, luta, preconceitos e dificuldades para conquistar seu espaço nos EUA. Abrindo mão de namorado, trabalho, casa e etc, parte para o país natal à procura de algo que nem ela mesma sabe ao certo. Enquanto está fazendo os preparativos finais da viagem, leva o leitor de volta ao passado, mais especificamente aos anos 1990, quando ainda era apenas uma estudante com sonhos, desejos e apreensões totalmente diferentes, talvez sem sequer almejar sair da Nigéria.
A Nigéria do passado, claro, é bem diferente de agora, dos anos 2010, tempos modernos em que Ifemelu é uma blogueira conceituada, respeitada, palestrante, graduada e com green card. Em pleno governo militar, há escassez de alimentos, condições básicas de vida e para nossos protagonistas, sucessivas greves nas universidades, como forma de protesto ao governo e a maneira como ignoram, dentre tantas coisas, com a educação e salário dos professores. Ifemelu e Obinzie, seu namorado, sonham ter uma vida digna nos EUA, apesar de todas as dificuldades com a migração.
Depois de muito resistir, Ifemelu decide morar com a tia (amante do general e fugitiva do governo militar) nos EUA, mas, apesar de sua inteligência, manejo com trabalhos e tantas coisas, ela não esperava que o novo país fosse tão preconceituoso e difícil de encarar. Contrastando com a pobreza africana, a riqueza americana não é para todos, apenas para os brancos. Logo, ter saído da Nigéria não pareceu a estratégia mais acertada.
Americanah tem tudo o que eu gosto em um livro: cultura de um país, contexto social e histórico, temas relevantes e que trazem à reflexão, além de, claro, observações sensatas sobre duas culturas, sociedades e/ou povos diferentes e seu certeiro choque. Logo, ver um livro com tudo isso, de maneira acertada, cada um em seu momento, sem um assunto atropelar o outro, mostra tanto como Chimamanda tem domínio do assunto, como escreve de maneira ímpar - o livro, de mais de 500 páginas, parece possuir menos, diante de uma leitura tão gostosa.
Apesar de leitura agradável, não posso de mencionar seus espinhos: assuntos como racismo, feminismo, sexo, migração e deportação são tratados de maneira pontuada e bem colocadas, mas não deixam de fazer com que o leitor pare o que está lendo, reflita, espere um pouco para respirar melhor antes de voltar a ler, com tal fato apresentado latejando na cabeça.
É impossível ignorar frases como "Tente conseguir uma bolsa para jogar basquete, os negros têm mais talento físicos e os brancos têm mais talentos intelectuais, não é bom ou ruim, só diferente", ou "Eu não pensava em mim mesma como negra e só passei a ser negra quando vim para os Estados Unidos", ou ainda "Ela disse que negros não precisam de protetor solar". Um racismo enraizado que os personagens tiveram que engolir todo santo dia pelo simples fato de serem de um continente considerado miserável, de terceiro mundo, e por estarem contemplando as "maravilhas de um país tão generoso como os EUA".
Necessário sem ser didático, "Americanah" expõe dramas e situações que não somente negros, mas não americanos de maneira geral vivem diariamente pelo simples fato de não terem nascido nos EUA. Uma boa história sobre passado, presente e futuro.
'20 melhores livros do século 21' é uma lista encomendada pelo site de cultura da BBC, em que diferentes especialistas foram responsáveis por eleger os melhores livros do mais recente século. Conheça os demais livros, todos já resenhados:
14. Austerlitz, W.G. Sebald.
15. A amiga genial, Elena Ferrante.
16. A linha da beleza, Alan Hollinghurst.
17. A estrada, Cormac McCarthy.
18. NW, de Zadie Smith.
19. 2666, Roberto Bolaño.
20. O grande incêndio, Shirley Hazzard.
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