spoiler visualizarDanilo 01/05/2024
O feminismo negro de Chimamanda: leitura de “Americanah”
A autora Chimamanda Ngozi Adichie (1977) é uma escritora nigeriana conhecida pelo seu engajamento no feminismo negro. Eu ainda não havia lido um livro de Chimamanda e no fim de 2023 e começo de 2024 me aventurei pela leitura de Americanah. Apesar de ter sido a primeira leitura, eu já vinha namorando Chimamanda há algum tempo. A sua entrevista no Roda Viva foi espetacular. Por mais que este texto venha falar do livro em questão, ainda é pouco, guardada a grandiosidade da verve literária de Adichie e das suas narrativas que nos fazem conhecer a Nigéria e a África pela visão genuinamente de seu povo e não a visão europeizada que temos na história de direção única, outra crítica da autora.
Americanah é a história de Ifemelu e Obinze. O casal se conhece em Lagos, que é a capital da Nigéria, nos tempos de escola, e a trama vai se desenvolver em volta dos conflitos, encontros e reencontros dos dois. O tema da imigração para os Estados Unidos é uma tônica do livro e Ifemelu parte para lá e Obinze vai se radicar na Inglaterra. Ao chegar nos EUA, Ifemelu se descobre negra, pois na Nigéria isso não era necessário, uma vez que a comunidade negra africana dava o sentimento de pertencimento à jovem. Quando chega nos EUA, o racismo ocidental a pega de jeito e é ali que ela vai se ressignificar e se subjetivar enquanto MULHER NEGRA e esse processo se consolida com a construção de um blog que é escrito na visão de uma nigeriana sobre o negro nos EUA. Ela até ganha dinheiro com esse seu projeto.
A condição da mulher negra está presente em toda a trama em personagens, além da própria Ifemelu, como a tia Uju que vive relacionamentos patrocináveis, digamos assim, em que ela se casa com homens ricos e aproveita deles. Essa questão não é para inferiorizar a mulher negra nigeriana, mas para travar discussões sobre o poder do machismo, na onda de uma sociedade da exclusão.
É preciso ainda me aventurar pelas outras escritas de Chimamanda como Hibisco Roxo, No seu pescoço, Meio sol amarelo, Sejamos todos feministas, Para educar criança feministas – um manifesto, e tantos outros, para formar uma opinião literária mais consistente do que esta que aqui apresento. Por ora, trago apontamentos da minha visão a partir de Americanah e me aventurando como sujeito branco que sou na literatura negra, dever de todo branco para que possamos constituir uma sociedade antirracista.
Sobre o título, a gente fica sabendo pela obra que é um jeito dos nigerianos pronunciarem a palavra “americana” com a extensão do último a – Americanah – e que é uma sátira ao jeito como voltam os nigerianos que vão para os Estados Unidos.
É muito importante também, como já é trazido na capa, a questão dos cabelos. Ifemelu está sempre trançando os cabelos e como os cabelos marcam a identidade do povo, alvo violento de preconceitos e discriminação. Já falei sobre a força dos cabelos em outro texto que rememoro aqui na necessidade de não desfazermos desse debate de que não existe cabelo ruim e sim cabelos crespos, cabelos afros que guardam em seus fios a beleza e, ao mesmo, a resistência e a força contra o racismo.
Um livro bonito – e ao mesmo tempo dolorido – sobre a percepção de si, sobre a mulher negra, um outro país que não o nosso Brasil, a Nigéria, que conhecemos pelo poder de viajarmos com a leitura, e a tentativa de se fazer conhecer as identidades e os países africanos uma vez que a África é mostrada na mídia comum como se fosse um país e um bloco único de coisas ruins, pessoas passando fome, o perigo de uma história única, como Adichie apresenta no vídeo já destacado.
Fico por aqui. Texto breve apresentando Americanah como sugestão de leitura que foi a minha leitura de janeiro de 2024. Sigamos nas leituras e nas resistências!