PorEssasPáginas 07/03/2016
Resenha: Orange is the New Black - Por Essas Páginas
Recentemente comecei a assistir a série original do Netflix, Orange is the New Black e viciei. Sabendo que a mesma era baseada no livro de Piper Kerman, que conta sua experiência real vivida em uma prisão federal nos EUA, resolvi ler a obra. O resultado foi que, para variar, o livro é melhor que a adaptação – apesar de ser uma série divertida. Vou falar um pouco das duas obras aqui nessa resenha.
Orange is the New Black vai muito além das “aventuras” de Piper no sistema penal americano, como a série passa. É claro que, sendo uma adaptação, espera-se algumas mudanças, mas não leia o livro esperando encontrar o mesmo drama complicado ou os diálogos inteligentes, engraçados e intensos da série. Leia esperando um relato sincero, reflexivo, crítico e, algumas vezes, emocionante, de uma mulher que, ao longo de quinze meses dentro de uma prisão, reencontrou a si mesma e descobriu a humanidade e a sensibilidade em mulheres que o sistema carcerário insiste em tratar, não como pessoas, mas como um incômodo esquecível.
A narrativa honesta de Piper é, apesar do tema difícil, leve e irresistível. O livro caminha em uma velocidade surpreendente, incomum para o que é quase uma auto-biografia. A maioria desses livros, ao menos a maioria dos que li, tende a ser maçante e revelar como o autor está desconfortável em contar sua própria história (ou não entende a melhor maneira de fazê-lo), mas Piper Kerman tem uma naturalidade incrível em sua escrita, conduzindo o leitor de maneira admirável pelos corredores da prisão. Com sensibilidade, ela expõe as próprias fraquezas e nos apresenta um mundo novo, escondido atrás das grades, um mundo com mulheres que a marcam profundamente, e também ao leitor.
O que mais gostei nessa obra foi como a autora fala com carinho e respeito de todas aquelas mulheres (e, claro, dos seus entes queridos, especialmente Larry, que é definitivamente um cara quilômetros-luz mais bacana que o personagem da série), até mesmo das que não gosta ou gostava na época. Além disso, o fato de que Piper expõe com leveza e seriedade a situação triste das detentas dentro das prisões americanas, com toda sua burocracia e falta de cuidado humano (e, ainda assim, é uma situação melhor que as prisões femininas brasileiras, onde falta até absorvente e papel higiênico).
Na comparação da série com o livro, é claro que há muitas diferenças, algumas positivas, outras nem tanto. Como já disse, a série é mais dinâmica e emocionante, mas o livro é muito mais realista e sensível. Há personagens adaptados do livro para a série, alguns que mudaram para melhor e outros não; há personagens novos, adições brilhantes, outras desnecessárias. Mas o que foi difícil de perdoar na série foi a mudança drástica de Piper, que na série não passa de uma mulher mesquinha, mimada e só piora conforme sua pena transcorre junto com as temporadas, enquanto que no livro Piper amadurece e se torna uma pessoa melhor na prisão. Um dos pontos altos do livro, aliás, é quando Piper percebe que seu crime, que parecia tão insignificante (ela foi “mula” no sistema de tráfico de drogas e conivente com o fato de que sua namorada na época era traficante), na verdade atingia com força pessoas como aquelas mulheres com as quais ela convivia na prisão. A obra passa a mensagem de que, longe de ter sido o lugar que mudou Piper, foram as pessoas que ela conheceu que a modificaram e a tornaram melhor, enquanto a série transmite a mensagem de que o ambiente e as pessoas revelaram uma Piper egoísta e difícil de engolir. Isso não quer dizer que eu não goste da série, pelo contrário, continuo acompanhando, mas revela que, para variar, um livro é uma obra muito mais honesta e edificante.
O que resta após a leitura é a reflexão de como devemos aproveitar todos nossos pequenos luxos, aos quais nos acostumamos, com gratidão, necessidades básicas e comuns que são confiscadas de mulheres que são presas, junto com sua dignidade. E, além disso, a consciência de que nossas ações, grandes ou pequenas, não apenas podem causar mal a nós mesmos, mas a pessoas que amamos e a algumas que sequer conhecemos, mas que não deixam de ser importantes por conta disso. Vale a pena ler, especialmente se você também curte a série e quer um retrato mais fiel da história de Piper e todas aquelas mulheres.
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