Queria Estar Lendo 06/06/2016
Resenha: O Lado Mais Sombrio
E se a Alice, aquela do País das Maravilhas, tivesse herdado uma maldição por causa da sua viagem até as terras mágicas? E se essa maldição tivesse atravessado gerações, deixando todas as mulheres de sua família loucas feito o Chapeleiro Maluco? E se o único jeito de acabar com ela fosse retornando ao lugar que, em teoria, não deveria existir? O Lado Mais Sombrio reconta a famosa história escrita por Carroll com um toque de escuridão.
Alyssa não está em um bom período da sua vida. A mãe está internada num manicômio, a formatura está se aproximando, seu pai não quer deixá-la ter liberdade e, para ajudar, sua mente nunca está quieta. Isso porque ela pode escutar o que os insetos dizem; loucura ou realidade? Ela não sabe, nunca investigou. O medo de ser como a mãe faz Alyssa medir os próprios passos, não olhar para trás, para entender de onde vem toda essa paranoia. Quando ela é forçada a encarar o seu passado, no entanto, as respostas se estendem através das páginas de um famoso livro. Sua ancestral, Alice, foi a primeira a visitar o País das Maravilhas, e saiu de lá com uma maldição. Alyssa é a próxima na linhagem, a única que pode voltar para o buraco do coelho a tempo de salvar a sua mãe de um destino terrível.
"Nada as detém. Você não pode escapar das vozes mais do que eu. Sua tataravó nunca deveria ter entrado naquela conversa da toca do coelho."
O Lado Mais Sombrio nos apresenta à Alyssa. Ela coleciona insetos porque essa é a única maneira de calar suas vozes. Ela é apaixonada pelo melhor amigo. Ela tem um pai amoroso e uma mãe enlouquecida. E ela tem uma herança importante em seu sangue. A partir do momento em que Alyssa retorna ao País das Maravilhas, nada mais em sua vida será o mesmo. O desconhecido pinga das páginas do clássico, mas nada é como Carroll descreveu. O País das Maravilhas é sombrio, perigoso e instável. É um lugar de criaturas mágicas, mas não das caricatas descritas na história. Nada de coelho branco fissurado pelo tempo ou chapeleiro maluco agradável e amigável. O País das Maravilhas é medonho, e Alyssa precisa ajudar a salvar o pouco que resta dele.
"Ainda vejo as flores se metamorfoseando em monstros perante nossos olhos. Como disse Jeb, este não é o País das Maravilhas que Lewis Carroll criou."
O conceito que a autora usou para construir a magia do Submundo é muito interessante. Temos o clássico intrincado à recontagem. O mundo do livro a um universo completamente novo. Alyssa já esteve ali, mas não sabe porque, nem quando. Ela conhece os lugares, conhece algumas pessoas, tem vagas lembranças de suas passagens pelo mundo debaixo do nosso mundo. Quando ela esteve ali? Por que ela foi levada até ali? Qual o seu destino? São perguntas que a história responderá conforme Alyssa desvenda o passado de sua ancestral.
"País das Maravilhas e comum... Duas palavras que nunca deveriam estar na mesma sentença."
Junto a ela, Jeb é seu acompanhante. Seu melhor amigo, cético ao princípio e então completamente alvoroçado pela realidade, é seu companheiro na perigosa viagem que Alyssa aceita desbravar. A princípio, achei que Jeb se desenvolveria em um personagem carismático, o tipo de amigo apaixonado que protege e ajuda, mas fiquei brava e decepcionada com a concepção do personagem. Controlador e extremamente possessivo, ainda que gentil. Não gostei da maneira com que ele tratava a Alyssa, como se ela fosse uma peça delicada prestes a estilhaçar, especialmente quando ele tomava a frente dela em toda santa situação. Existe o personagem protetor e existe o personagem mandão-e-protetor, e ele é o segundo tipo. Os momentos em que eles estavam apenas conversando, relembrando o passado, sendo fofos, isso foi adorável, mas quando Jeb tentava bancar o cavaleiro de armadura branca eu só queria gritar com ele. Para de ser tão controlador, cê não tinha nem que estar aqui, querido!
"Eu tentas vezes adormecida rezando para que você me olhasse desse jeito. Me tocasse desse jeito. - Não parta meu coração."
Outro personagem que leva um tempo a aparecer, mas é essencial para a história, é Morfeu. Ele é do País das Maravilhas, uma das peças mais importantes ali na trama, e é ele quem Alyssa precisa encontrar para entender os seus caminhos. Assim como Alice precisou encontrá-lo para saber o seu destino. Morfeu é um pouco menos revoltante do que o Jeb, mas ainda tem seus trejeitos chatos. Acho incrível a necessidade de colocar um triângulo amoroso só para controlar a garota! PRA QUE ISSO? Eu vi diversas opções para a autora desenvolver uma história legal entre os três, especialmente com o Jeb sendo "a parte boa da Alyssa" e o Morfeu representando o "seu lado mais sombrio", mas não! Eles estão ali só pra ficar brigando e discutindo e vendo quem controla mais a Alyssa. Porque só eles sabem o que é bom pra ela, só eles sabem qual caminho ela tem que tomar, só eles sabem qual a melhor decisão. ARGH.
"- O verdadeiro nome dele não é Morfeu. Ele é a glória e a reprovação, a luz do sol e as sombras, o escapulir de um escorpião e a melodia de um rouxinol. A respiração do mar e a canhonada de uma tempestade. É possível confiar no canto de um pássaro, no som do vento ou no rastejo de uma criatura pela areia?"
Tirando esse ponto, o desenvolvimento do Morfeu me agradou mais. Você acompanha a história misteriosa dele, desde os sonhos da Alyssa até o desfecho. Ele é um personagem rico em personalidade e em sombras. Ele tem muito da loucura do País das Maravilhas e um pouco de uma sanidade obscurecida. Afinal de contas, aquele não é um mundo de contos de fadas. É um submundo medonho. Morfeu é um pouco de cada coisa, muito da natureza e muito dele mesmo.
Espero que o próximo livro quebre essa parte chata da personalidade dele, porque quero muito ver como Alyssa e Morfeu se desenvolvem como casal. Tem muito mais química e história do que com o Jeb!
A parte mais legal do livro foi o crescimento da Alyssa. A força que ela encontra na própria jornada. Da garota que fugia das vozes na própria cabeça, aquela que ignorava a loucura da mãe, a alguém disposta a sacrificar a própria sanidade para salvá-la de um destino horrendo. Ela encontra poder dentro da própria loucura, dentro do seu lado mais sombrio. Afinal de contas, a herança do País das Maravilhas existe na sua família desde a Alice. Ela precisa aprender sobre isso, precisa aprender a desenvolver e se aproveitar dessa força.
"Ele é uma contradição: magia contida pronta para entrar em ação, gentileza em guerra com a severidade, uma língua tão afiada quanto a ponta de um chicote, mas a pele tão macia que a sensação é a de que ele está envolvido em nuvens."
O País das Maravilhas, cara, como é sinistro. A autora pegou todos os pontos chaves, todos os detalhes da história original, e distorceu quase num conto de terror. É um mundo mágico, mas as criaturas são medonhas. É um mundo incrível, mas igualmente assustador. Todos os personagens clássicos estão ali, mas eles não são tão agradáveis quanto a história fazia aparecer - ela usa uma desculpa excelente para a visão da Alice e para o que a Alyssa realmente vê.
A viagem de uma garota até o lugar mais louco de todos, justamente para se salvar da loucura, é uma ótima leitura. Para os amantes do clássico de Carroll ou simplesmente para os curiosos, vale a pena conferir!