Teixeira 25/04/2024
We Were Liars ? 5 ?
> Viver de privilégios, luxúria e beleza é excelente. Passar o verão numa ilha, com família, uma vista maravilhosa, e um cheiro que provoca entusiasmo e atrai o amor é verdadeiramente incrível. Passar da realidade para um outro universo, cheio de histórias, emoções de arrepiar a pele, voltas e risos, dias ensolarados e noites que brilham é, de facto, o auge do bolo, o conto que todos queremos nos nossos livros. Mas...
Todas as pessoas sentem a necessidade de mentir, nas boas e nas piores circunstâncias. É uma maneira de fugir ao mundo, criar outro, ignorar problemas, acabando por criar outros.
Uma família é perfeita - e no proferir destas palavras sem sentido estaríamos a mentir. Os gritos, falas problemáticas, hábitos medíocres, recorrentes, reais daqueles quais que são os ramos que originaram as nossas folhas são, na verdade da mentira, palavras carinhosas, gentis, cuidadosas, que surgem de instintos surrealistas.
Tudo e todo é um mergulho na realidade. Um pisar dos pés na areia, um caminhar suave até à água, que nos mostra muito, mas muito pouco. E quando tentamos ir mais a fundo, mais ele se afasta, se esconde, e quando estamos bem perto, aí percebemos que não passa de uma ilusão - dizem eles que é um eufemismo - mas estamos a nos colocar numa corrente que nos puxa, cada vez mais, para uma rede de falsos diálogos, pedras nas quais batemos com a cabeça.
Mas nem nisso podemos acreditar.
Será que, afinal, não nos estamos a queimar aos poucos? Por dentro, não estará a água a nos corroer? O que nos afoga afinal nos queima, nos deixa com marcas, e nunca apaga as memórias.
Viver de privilégios que irritam, coisas sem valor, e beleza do feio é excelente, se escolhermos mentir, como os Sinclair. Passar o verão numa ilha, com família, totalmente repetitiva, chata, duvidosa, uma vista maravilhosa para o desgosto, e um cheiro desagradável que provoca irritação e atrai o amor, no meio de falsas flechas do cupido, é verdadeiramente incrível, se continuarmos a mentir. Passar da realidade para outra, que escolhemos mudar, para proteger uns, acolher outros em desejos de exilar, cheia de histórias, emoções nada subtis, voltas que nunca acabam e choro escondido por risos, dias que queimam e noites que brilham graças ao fogo que arde, cruel, é, claramente, a cereja no topo do bolo, o conto retratado neste livro.
Ao lermos, muitas vezes fugimos da realidade... Mas neste, encontramo-la de volta, e bem triste, crua, cruel, com a qual nos identificamos em inúmeros aspetos. E, aí, nos apercebemos que, por vezes, estamos a criar enredos perfeitos num mundo em que vivemos de forma ilusória, com uma família que produz efeitos constantes, sinceros, para nos proteger, mas sempre cheios de imperfeições e mentiras.