Os Sertões

Os Sertões Euclides da Cunha
Walnice Galvão




Resenhas - Os Sertões


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Peter.Molina 10/01/2023

Épico
Um dos livros mais difíceis que já li, nem tanto pela história, mas sim pelo vocabulário e expressões utilizadas. Uma leitura densa e rebuscada que merece do leitor um preparo pois não é para todos. Confesso que ignorei muitas das mais de 1000 notas de rodapé, pois isso tornava o fluxo da leitura muito prejudicado. Mas é uma obra inigualável, relato de uma guerra sem igual. A partir da metade da obra, o livro ganha um fôlego imenso, a resistência dos jagunços é inacreditável, e podemos ver como a influência de um líder pode gerar comportamentos tão destrutivos e fanatizantes. Além de ser um testemunho histórico sobre o início da República, um livro difícil mas que sem dúvida merece ser conhecido e estudado.
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Marcu 01/04/2021

Fanatismo e vingança.
Apesar de acreditar em um determinismo racial, típico do seu tempo, o autor faz uma denúncia que se contrapõe à demonização do sertanejo levantada pela mídia e pelo povo. 

 O fanatismo religioso narrado é o resultado do sofrimento do sertanejo e sua inclinação ao divino. É como se o jagunço elegesse Antônio Conselheiro. Este, por sua vez, abraça o papel medonho. A história está repleta de exemplos como esse. 

  Conselheiro ameaça assaltar um povoado para conseguir madeira para a construção de uma igreja em Canudos. O governo fica ciente desse evento e, posteriormente, de outros considerados ilícitos. Isso marca o início do conflito.

 A princípio o inimigo é visto com um bando de mendigos. Subestimam. O ambiente árido beneficia o jagunço. Diversas ( pequenas) expedições são feitas. Mesmo após sucessivos fracassos, surpreende o quão desgraçada uma expedição rumo a Canudos pode ser. Em uma delas, o exército foge e deixa um sem número de armas e munição. Em seguida, o clamor nacional pela punição só aumenta e isso influencia o governo na busca de uma vingança, uma demonstração de ordem ( também já vimos um bocado disso, ou melhor, vemos).

 Os rebeldes acreditam que devem lutar até a morte para fazer jus à salvação divina e o exército, por sua vez, não os poupa ( degola ou corda) nem elabora nenhum tipo de negociação, o intuito é matar. O fanatismo religioso e a impiedade do exército faz com que o último jagunço lute até a morte. Tem-se a denúncia do crime.

 
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Paulo 04/05/2010

Anotações
A TERRA — Nesta primeira parte, EC descreve o palco da epopéia impressionante. Ocupa-se da geografia, da geologia e das intervenções naturais nos processos de ocupação humana do sertão. Em sua proposta científica de análise naturalista, ainda que nos envolva esporadicamente com sentenças hábeis ("Nem um verme — o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria — lhe maculara os tecidos"), chega a complementar a classificação climática de Hegel, julgando a caatinga um modelo particular de ambiente.

O HOMEM — A ocupação do solo. A distribuição do povo pelo Brasil. A formação do sertanejo ("antes de tudo um forte", "Hércules-Quasímodo") justifica sua índole. Sua rudeza. Traços históricos; explicações perspicazes. [Reler como história do Brasil.] Sua opinião sobre a mistura de raças ("prejudicial", p. 77). O gaúcho do sul e o vaqueiro do norte: antítese. Antecedentes biográficos de Antônio Conselheiro, "um gnóstico bronco", cuja sombra "condensava o obscurantismo de três raças" (p. 102...). O início da marcha do profeta, cujos ditos, pela natureza, conjugam-se no "permanente refluxo do cristianismo para o seu berço judaico". "Viu a República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis." Instalado em Canudos, recebe o afluxo incentivador de turbas deslumbradas. Na paradoxal cadeia de Canudos: "presos pelos que haviam cometido a leve falta de alguns homicídios os que haviam perpetrado o crime abominável de faltar às rezas". Um movimento político? Segundo o autor, o antagonismo à República era só "um derivativo à exacerbação mística", indicando o "triunfo efêmero do Anti-Cristo" antes do iminente "reino de delícias prometido".

A LUTA — A primeira força partiu incauta: diminuta e despreparada ("seguiu a 12, ao anoitecer, para não seguir a 13, dia aziago. E ia combater o fanatismo"). "A natureza toda protege o sertanejo", que vence as primeiras batalhas contra equipes policiais não treinadas para a guerra.

TRAVESSIA DO CAMBAIO — A primeira expedição regular, em janeiro (1897): quase 600 homens e dois Krupps. Massacrada nas trincheiras do Cambaio e em outras refregas. Finalmente, o major Febrônio retira-se. Em Monte Santo, que previra a vitória sobre Canudos, "a população recebeu-os em silêncio".

EXPEDIÇÃO MOREIRA CÉSAR — O triunfo estufou Canudos de novos homens empolgados. Em fevereiro parte expedição com quase 1300 homens. Chegam confiantes ao alto da Favela, já à vista do arraial insurreto. Apesar da grande força, o erro estratégico: "acometendo a um tempo por dous lados, os batalhões, de um e outro extremo, carregando convergentes para objetivo único, fronteavam-se a breve trecho, trocando entre si a bala destinada aos jagunços" (p. 227). Apesar do duro assalto, os sertanejos defendiam com a vida sua terra. Após novos erros (pp. 230-1), Moreira César é mortalmente ferido e o coronel Tamarindo o substitui. Perdidos no arraial, os soldados lutavam cada um a seu modo. Após recuo, decide-se pela completa retirada. Moreira César, pouco antes de falecer, é contra. Sufocada pelos jagunços, a retirada se fez debandada — o próprio corpo do chefe foi abandonado para a fuga! O coronel Tamarindo também morre. Seu corpo será estendido pelos sertanejos, como exemplo, em companhia de dezenas de caveiras, nas proximidades de Canudos.

QUARTA EXPEDIÇÃO — Comoção nacional. "Era preciso salvar a República." Comentário: "Aquele afloramento originalíssimo do passado, patenteando todas as falhas da nossa evolução, era um belo ensejo para estudarmo-la(...). Os patriotas satisfizeram-se com o auto-de-fé de alguns jornais adversos, e o governo começou a agir. Agir era isto — agremiar batalhões". O general Savaget só partiu três meses depois. Uma falha: soldados metiam-se nas caatingas e seus espinheirais vestidos de pano, não do couro apropriado do sertanejo. Mas agora eram cerca de 3000 combatentes, com aparato e organização mais sérios. Só que os sertanejos armaram-se com mais astúcia para a retaliação: entrincheirados, atacavam no escuro e baratinavam a ofensiva. Surpreenderam as forças do governo com "fuzilaria cerrada e ininterrupta". A esperança de Savaget era a convergência de brigadas projetada para o dia 27. Contudo, já em 28, a 1.º Brigada não aparece, mandando, em contrário, pedidos de socorro. O assalto afigurou-se penoso: não havia um alvo rigoroso, e os tiros vinham de todos os lados. Em meio às exíguas possibilidades de novos ataques, fazia-se a debandada dos homens, que, sem mantimentos, não tinham como se refazer. E foram cruelmente acompanhados pelos jagunços, que, à espreita, somavam-se à sede e à fome como algozes daqueles curiosos retirantes. Mas a brigada do general Artur Oscar resistiu. Conquistada a posição, ficou. E novo batalhão surgiu como reforço. Mas um novo assalto não se faria sem novas baixas e excessivos retardamentos, culminando, muitos dias depois, na escassez de provisões e na urgência do socorro aos feridos. Nesse meio tempo, chamou-se o marechal Carlos Machado de Bittencourt, estrategista impassível que percebeu a necessidade de vencer o deserto antes de sitiar o jagunço. Ainda havia algum trabalho e muito heroísmo em Canudos, por parte dos remanescentes da última investida. Mas então já "avançava pelos caminhos a Divisão salvadora".

NOVA FASE DA LUTA — Finalmente "terminara o encanto do inimigo" (p. 355). Derrubam a torre da igreja de Canudos (trincheira valiosa), além de abaterem um líder importante da resistência de Canudos. Os novos vão chegando e encontrando os antigos combatentes numa situação em que o antagonista parecia fragilizado. Atiravam com regularidade, mas das mais de cinco mil vivendas de Canudos (!) também advinham os prantos das mulheres e das crianças... Abatido, o Conselheiro morre em 22 de agosto. (Obs.: mais tarde, à p. 401, diz-se 22 de setembro, o que deve ser o real.) Alguns crentes chegaram a fugir antes que a situação mudasse, a 24 (pp. 366-7). O cerco se procede. "A insurreição estava morta" (p. 370).

ÚLTIMOS DIAS — O imprevisto: "o inimigo desairado revivesceu com vigor incrível" (p. 375). Assim mesmo começaram a cair os prisioneiros, inicialmente em especial mulheres, crianças velhos, quase todos famintos e doentes. Teve então vez a covardia dos vencedores (p. 378...). 28 de setembro: era o fim. Mas Euclides da Cunha anuncia inúmeras vezes o fim — mas anuncia o que seria o fim militar evidente. Contudo os jagunços não eram militares, e não se rendiam, a não ser com a morte. E seu heroísmo sempre impunha a confusão na formação dos assaltantes. Desta forma, conseguiam ainda matar muitos oficiais após o momento em que a "lógica" os deveria ter rendido. Mas Canudos nunca se rendeu. Restavam quatro exíguos combatentes, que pelejaram com ferocidade até sucumbirem, entregando a vida. O final de Euclides é magistral: relata e comenta a busca que se faz do cadáver de Conselheiro, e a transformação de sua cabeça em troféu último da Guerra de Canudos.
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Lucas Lobo 12/09/2022

Uns dos mais difíceis
É um ótimo livro, que fala sobre a guerra de canudos, sobre Antônio conselheiro. Porém, é um livro bem difícil de se ler. Espero ter uma leitura melhor na segunda vez que eu for ler.
Orlando 10/10/2022minha estante
Boa noite,tudo bem? Sou novo aqui no app,e não estou conseguindo ler,podem me auxiliar por favor?


Lucas Lobo 10/10/2022minha estante
Amigo, é pq o app não é feito para ler os livros, e sim para fazer anotações sobre o livro, para ver comentários a respeito do livro. Entende?


Orlando 10/10/2022minha estante
Kkkk, há entende, obrigado,me indique um para ler por favor?


Lucas Lobo 11/10/2022minha estante
O pequeno príncipe




Sira Borges 05/05/2024

Os sertões
Frases que estão ecoando em minha mente ao terminar esse livro:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte;
Canudos não se rendeu;
Foi um crime.
E mais: incomodou a elite, não sobra um pra contar a história!
A história de canudos foi contada, como sempre, pela ótica do vencedor e Euclides da Cunha estava a serviço desse vencedor. E foi corajoso, na minha singela opinião, ao escrever esse livro...
"Eram quatro apenas: um velho, dous homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados."
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Margô 25/06/2022

Canudos não se rendeu.
Canudos não se rendeu.
Eis uma história de heróis e covardes.
Uma história não contada nas escolas, e mal contada, por aqueles que que insistem em não " interpretar" de forma leal e verdadeira que aquilo lá foi um genocídio!
Quem conta esta história? Um jornalista que quer o perdão das almas que foram cunhadas por ele mesmo como insanos, broncos e bandidos...
Mas demorou.
O povo brasileiro ainda não leu este livro , e sabe-se lá quando vai ler?
Mas os que viveram na época, leram, acompanharam e torceram através dos jornais pela morte dos temidos jagunços, os Quasímodos dos infernos...
Valeu a pena?
O quê ? A leitura?
Sim.
Mas há que separar-se o joio do trigo.
Ler é ter acesso à informação. E a informação é a base da cidadania, do desenvolvimento pessoal e da consciência planetária.
Portanto, Sertões é uma leitura considerada complexa, mas é visceralmente necessária a leitura da obra.
Desconhecer a guerra de Canudos, é um vácuo histórico imperdoável!
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eduxst 22/02/2023

O inimigo imaginário da República.
"Apesar de três séculos de atraso, os sertanejos não lhes levavam a palma no estadear idênticas barbaridades"

Euclides da Cunha, republicano fervoso com uma crença inabalável no cientifismo da época, teve o privilégio de visualizar a Queda de Canudos. Entretanto, diferente da expectativas da época, os sertanejos não eram monárquicos e, muito menos, fanáticos. Canudos nada mais era do que um "compartilhamento" de misérias. O sertanejo é sem dúvidas um forte, e continuo sendo até a última página desse relato. O misticismo por Antônio Conselheiro nem se comparava à crença dos soldados e da população na época na República. Esse regime de governo autoritário, sem uma empresa verdadeiramente livre, sem uma participação popular e que não se importou nem um pouco em melhorar a situação do nordestino (guerreiro da seca). Os jagunços apenas defenderam sua terra bravamente. Nunca assumiram papéis de vítima. Os soldados, supostamente civilizados que invadiram Canudos, depois de 3 expedições reprimidas, foram os responsáveis pelas maiores atrocidades e massacres. E ao retornarem as suas famílias, foram saudados como heróis.

Agora sobre a leitura, é sem dúvidas, uma obra difícil, mas necessária. Quem resume essa obra ao eugenismo do autor deixa passar o grande valor da obra. A denúncia. Existem trechos quase intragáveis realmente entre histórias interessantíssimas e que agregam como leitor e ser humano."A terra" é a primeira parte, e, sinceramente, a parte mais chata do livro por causa do descritivismo. "O homem" apresenta a história de Antônio Conselheiro e como ele virou tal figura mística (ponto alto do livro). Valendo ressaltar que Euclides mascara algumas opiniões entre os fatos da vida do profeta.O final é pesado, como a maior parte de "A luta". Viva à República, mesmo ela não sendo verdadeira uma república.
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Eduardo 30/05/2020

Eis o porquê de o nordestino ser tão discriminado pelo resto do país até hoje. É porque o temem.
"Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados."

Aquele que não conhece o Nordeste e suas gentes, leia este livro. É o testemunho eloquente do porquê de um povo causar tanto pavor e pânico no restante do Brasil à simples menção do seu nome, especialmente no Sul e Sudeste e Distrito Federal. Porque o que é o preconceito? é o medo do outro. Porque quem discrimina o faz porque teme o outro. E por isso o povo do Sul, Sudeste e Distrito Federal discriminam tão barbaramente o nordestino.
O livro fala da cidade de Canudos, um refúgio contra a opressão e a crueldade dos grandes terratenentes nordestinos, a chamada "indústria da seca". Seu líder, Antônio Conselheiro, assim como dezenas de outros país afora, como o monge José Maria em Santa Catarina, o fundou como um refúgio para sua seita religiosa, e nunca quis problemas alguns com autoridades terrenas. Acontece que, em um país com uma desigualdade social tão pornográfica como o Brasil, sua pregação atraiu centenas de milhares de nordestinos, encantados com a nova opção de um alívio de sua injusta vida terrena. A elite e a classe média nordestina, como é óbvio, sentiram-se ameaçados em seu poder quase divino sobre a sociedade, e eis aqui um testemunho incrível de quão antiga é a indústria de fake news com fins políticos no Brasil. Espalharam-se dezenas de teorias mirabolantes sobre Canudos, todas sem fundamento algum, mas feitas sob medida para incitar uma comoção primeiro local, depois nacional contra a cidade. Mesmo com armas rústicas, sem preparação militar ou absolutamente nada de estudo militar, o povo canudense conseguiu rechaçar três expedições do exército profissional brasileiro até que, por fim, como era de se esperar, acabaram derrotados, aliás, derrotados não, massacrados covardemente. Mulheres, crianças, velhos, todos degolados friamente por este exército brasileiro, tão decantado e querido pelo povo brasileiro.
Em 2017, Canudos e Antônio Conselheiro seriam tardiamente reconhecidos como heróis do povo brasileiro, e ele teria seu nome inscrito no livro dos heróis da pátria, como símbolo da resistência secular do povo brasileiro contra os desmandos selvagens de sua elite e classe média estrangeira. Mas Canudos nos fala até hoje.
Não darei cinco estrelas ao livro pois, como todo livro escrito no século XIX e início do XX, o autor acredita religiosamente na verdade do racismo científico, que pregava o extermínio dos negros no Brasil devido à suposta "inferioridade" dele perante outras raças. Mas sem dúvida, o livro, ainda que imperfeitamente, é um clássico e, como tal, uma ode ao povo brasileiro, a quem o pessoal dos grandes centros urbanos do litoral tantas vezes despreza, como se fossem um povo estrangeiro. E Euclides da Cunha toca exatamente nesta ferida, tão atual ainda hoje.
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Lucas 19/06/2021

Aula de jornalismo e história: O Brasil era (e é) muito maior do que se imaginava/imagina
"É que neste caso a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização".
Na falta de ideias mais criativas para iniciar a resenha deste que é, na minha humilíssima opinião, o mais significativo livro brasileiro que já li, tive que recorrer ao gênio que idealizou essa obra. Talvez seja o mais sensato mesmo, deixar que Euclides da Cunha (1866-1909) e sua erudição, ora sutil ora rebuscada, deem a partida ao relato que aqui será exposto.

Ponto inexplicável para esta falta de ideias mencionada acima é que ela não simboliza um esgotamento por parte deste que vos escreve. Também não é sintoma de uma leitura exaustiva, que exige muito compromisso do leitor. É, preponderantemente, originária de um grau de arrebatamento, de um colapso em termos de saber: salvo historiadores ou outros personagens que dedicam a vida à multifacetada história do Brasil, quem termina a leitura da obra prima de Euclides da Cunha sentirá que pouco sabia da dimensão do Brasil como país.

Os Sertões, lançado em 1902, é universalmente atrelado à Guerra de Canudos (1896-1897), conflito que abalou os alicerces da então incipiente república, instalada no Brasil em 1889. Evidentemente que o conflito protagonizado por esse pequeno povoado situado no norte da Bahia é o âmago da obra, mas é leviano dizer que Os Sertões trata apenas disso. Ele é, antes de qualquer outro tipo de definição rasa, um relato extremamente detalhado do interior do Brasil daqueles tempos, cujas nuances, se não estão nítidas ainda hoje, ajudam a explicar as dificuldades econômicas e sociais de incontáveis pequenas cidades distantes dos grandes centros brasileiros.

Tentar assimilar a forma com que Os Sertões foi construído passa pela compreensão do seu idealizador. O fluminense Euclides da Cunha foi um militar, matemático, jornalista e engenheiro, além de escritor, integrante da Academia Brasileira de Letras. É importante observar isso porque Os Sertões se fundamenta em uma profusão de estilos de descrição, que têm a ver com a grande habilidade do autor em narrar e que leva em conta todas essas aptidões. Prova disso é a forma com que a obra se subdivide, em três partes com abordagens distintas: A Terra, O Homem e A Luta.

A Terra, que corresponde à primeira (e menor) das três partes, é também a mais maçante delas, com o autor empregando aqui um olhar de especialista geográfico invejável: flora, fauna, solo, diferenças destes em relação a outros biomas brasileiros, explicações meteorológicas e históricas plausíveis das secas que ocorrem no sertão nordestino, etc., tudo é descrito com um detalhismo rigoroso. A parte seguinte, O Homem, já mais robusta, traz um Euclides da Cunha antropólogo, que explica o surgimento do sertanejo dentro da tríade formadora do povo brasileiro: índios, portugueses/imigrantes e escravos. Nesta toada, ele emprega alguns raciocínios bem crus, que hoje soam como racistas e separatórios, mas que precisam ser contextualizados com a realidade do final do século XIX, desprovida ainda de senso comum no que tange à compreensão de uma questão (que, pelos menos deveria ser) tão irrelevante como a cor da pele de cada um. Também tece vários comentários sobre o sertanejo e sua realidade, como as dificuldades das secas e seus meios de subsistência. A frase mais conhecida do livro ("O sertanejo é, antes de tudo, um forte") se insere aqui como uma síntese perfeita que descreve este bravo tipo brasileiro, tão comum no interior do país e que assume diversas denominações pelos rincões interioranos do Brasil (a menção ao gaúcho e seus costumes, mesmo que apresentadas as contraposições deste com o sertanejo, é uma prova dessa universalização).

Esta segunda parte também promove uma sutil mudança de enfoque e esta transição é feita de maneira genial. Ao final desta parte, Euclides da Cunha descreve "O" homem no sentido literal. Trata-se de Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), cearense e que ficou eternizado na história pela alcunha de Antônio Conselheiro, o "algoz" da Guerra de Canudos. São descritos aqui os aspectos, muitos deles místicos, outros apenas misteriosos, que tornaram este personagem símbolo de um povo oprimido, que reuniu-se em torno do seu líder e de uma fé doentia pelos seus credos. Posteriormente, Euclides fecha essa segunda parte descrevendo o palco do conflito: o arraial de Canudos, seus casebres, igrejas, ruas estreitas e cercanias, que ofereciam um relevo desfavorável a invasões.

Estes dois "personagens" (Antônio Conselheiro e Canudos) são os pilares da "ponte" que se faz entre as duas primeiras partes d'Os Sertões a sua derradeira parte, A Luta, que ocupa praticamente 3/4 da obra e trata de narrar as diversas escaramuças (ou as cinco expedições) que colocaram frente a frente tropas militares do governo (primeiro da Bahia, depois tropas federais e por fim tropas de diversos estados) e os pejorativamente chamados jagunços, seguidores do Conselheiro.

Por ser um livro de não ficção, seu apego à realidade dos fatos é inabalável. O desfecho do conflito de Canudos, dramático e sangrento (estima-se que mais de vinte e cinco mil pessoas, entre tropas legalistas e habitantes do povoado perderam a vida), assume um papel que jamais deve ser esquecido e cuja assimilação precisa ser deixada ao futuro leitor. Por isso, é preciso que Os Sertões seja agora avaliado não no que ele conta, mas no que ele representa dentro do cenário universal do Brasil, estando essa relevância irrestrita ao campo literário.

Sobressai-se na tarefa de ler a obra o estilo rebuscado de Euclides da Cunha, que prioriza uma abordagem detalhista ao invés de romancear seus apontamentos até o limite que um escritor observador pode fazer para não interferir na descrição que ele almeja. Paradoxalmente, quase 120 anos depois da publicação, é comum relatos de leitores que desistem da obra em função desse estilo, que é sim, difícil e que requer imaginação e compromisso do leitor. Do mesmo modo em que se destaca esse estilo, salta aos olhos a capacidade técnica do autor em detalhar e enumerar muitos aspectos do sertão nordestino e, posteriormente, das manobras militares que ocorreram em Canudos. Nas suas linhas, o leitor não encontrará apenas uma capacidade de observar e diferenciar solos, plantas, elevações, trilhas, cidades, vilas, fazendas, etc.: tudo isso está descrito com o embasamento técnico que Euclides tinha para a época. Pra quem servem as mais comuns plantas que existem na caatinga? Qual a explicação para a região sofrer com as secas? O que acontece com o solo no período de estio? Como se organizava a atividade pecuária, praticamente a única praticável no sertão? São todas perguntas que Euclides responde ou tenta responder, num esforço tocante de compromisso com a elucidação. Mas em alguns destes momentos, o autor traça linhas de grande refino literário, como a percepção dos sertanejos em relação às secas, a forma com que estas moldam o caráter do "matuto" e o êxodo, reservando momentos com uma beleza escrita incomparável.

Desse modo, a percepção negativa ou ressalvada do leitor de hoje acerca d'Os Sertões (especialmente na lentidão da primeira e segunda partes) precisa ser ponderada em função da distância temporal. As descrições do sertão que Euclides faz precisam ser analisadas sob o ponto de vista da época: hoje em dia, por exemplo, a internet está aí para traduzir em imagens e informações detalhadas o que Euclides fez "a mão" há mais de um século. É impensável, na atualidade, dimensionar o impacto que as descrições trazidas por Os Sertões despertaram nas "gentes grandes" das metrópoles da época, que passaram a conhecer com minúcias um outro Brasil, desconhecido das grandes povoações litorâneas. A comparação entre litoral e interior, um dos pilares narrativos, será mais bem mencionada à frente.

Essa solidez descritiva é um traço da nítida preocupação acadêmica do autor com o que ele relata. Chama a atenção o recorrente uso de notas de rodapé que não só citam a fonte das informações, como também discutem versões diferentes, quando é o caso. Os Sertões é um livro que pode ser enquadrado de diversas formas: uma não ficção jornalística, que hoje pode ser entendida como um "documentário" de um conflito sangrento ocorrido em solo brasileiro, é a melhor delas. Mas ele transcende qualquer aspecto "comercial" que a publicação em livro deste tipo de narrativa pode trazer porque ele segue uma técnica fundamental na Academia, que é a de discorrer determinado tema como um funil: iniciam-se com apontamentos genéricos, mais amplos, que vão se afunilando em torno de conceitos mais específicos. A própria estrutura do livro, que começa falando de temas mais universais ao sertanejo, como a formação geográfica da região (A Terra), passando pelos seus habitantes (O Homem) até desembocar no conflito de Canudos (A Luta), que é a figura central do livro, é o maior símbolo dessa preocupação. Aliada a este viés acadêmico, é importante ressaltar que Euclides da Cunha, como jornalista do jornal A Província de São Paulo (atualmente O Estado de São Paulo), esteve cobrindo in loco parte dos últimos desenlaces da guerra; assim, ele evidencia também seu lado jornalista, construindo sua narrativa com propriedade (algo que o jornalismo atual esqueceu-se ou abandonou...) e mostrando a repercussão do conflito nas metrópoles.

Euclides da Cunha era um republicano, e como tal, condena de forma veemente os sertanejos que se uniram em torno de Antonio Conselheiro, cujo misticismo pregava (será?) o fim dos tempos com a República e a total cisão que ela promovia entre Estado e Igreja. A Guerra de Canudos teve como rótulo majoritário o de levante e rebelião ao regime republicano, que nos seus primeiros anos enfrentou sérias revoltas, como a Revolução Federalista (1893-1895) ocorrida no Sul do país e a Revolta da Armada (1891 e 1893-1894) organizada por marinheiros no Rio de Janeiro (ambos os levantes mencionados n'Os Sertões). Esta crença inicial do autor preambula aquele que é o grande baluarte do livro: a mudança de tom e interpretação em torno da guerra. Sutilmente, Euclides vai relativizando sua posição inicial: os tais rebeldes não eram realmente rebeldes, ou bárbaros, ou animais... Eram uma massa da população brasileira absolutamente esquecida pelas riquezas e alta sociedade das grandes cidades da época.

Essa descoberta por parte de Euclides da Cunha traduz a relevância d'Os Sertões para a literatura brasileira: seu relato desnuda aos ditos "letrados" e "seres superiores" do Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo (as grandes cidades brasileiras da época) a amplitude da nação brasileira, seus problemas, desmandos, contradições e desigualdades. Os Sertões foi a primeira obra brasileira não ficcional que fugiu da "bolha" dos grandes livros românticos e realistas, que tão bem incrustados estavam na mente das pessoas com mais acesso a este tipo de cultura. Nenhum livro, até então, merecia tanto o rótulo de BRASILEIRO, trazendo consigo todas as complexidades que esse adjetivo pátrio possui consigo. Antonio Conselheiro não era um terrorista, amante do Império: provavelmente ele e seus asseclas nem sabiam de boa parte da história do Brasil para formarem um grupo doutrinador que visava derrubar a república. Suas atitudes, contudo, não revelam uma simples e pura inocência, mas devem ser contextualizadas numa atmosfera de mais de três séculos de abandono que essa população enfrentava.

Muita coisa ainda poderia ser dita aqui, tamanho o impacto que a leitura causa. Os Sertões é um livro longo, por vezes árido, mas essencialmente histórico, um símbolo do compromisso com a verdade que o jornalismo deve (ria) assumir. Alguns dos seus apontamentos científicos caíram em descrédito atualmente, mas aquilo que a obra representa e significa jamais será abalado. Ao expor o interior do Brasil, que combina mazelas e desigualdades sociais crônicas com paisagens lindas e gente honesta e trabalhadora, a obra-prima de Euclides da Cunha atinge um nível de importância literária e jornalística para o Brasil que provavelmente jamais será ao menos igualado.
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jessica 18/07/2020

Não é um livro fácil de concluir, principalmente no início os detalhes da narrativa são muitos. Mas quando vai chegando a metade já estamos mais acostumados e empolgados com o desenrolar, então a vontade é ir até o final pra saber através da visão do autor o que acontece.
Sim. É um livro volumoso, mas necessário.
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Bruce 11/04/2023

Um minucioso relato da virada de séculos XIX/XX no Brasil
Um livro espetacular e obrigatório para compreender parte da alma brasileira. Datado do início do século XX, ?Os Sertões? demonstra tanto o pensamento já maturado dos anos 1800, com forte influência das ciências naturais (o espraiamento do evolucionismo darwinista começando a correr o mundo), como o início de um repensar sobre o Brasil que se deu nas primeiras décadas do século XX e seus dilemas eternos sobre raça, política e violência contra as classes desfavorecidas socialmente.
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legarcia 30/03/2022

Um trabalho profundo e de grande magnitude
A leitura de ?Os sertões? é complexa e desafiadora, ela te tira da zona de conforto e exige dedicação. É, também, um legado de grande magnitude que nos foi deixado por Euclides da Cunha.

A obra é constituída por três grandes aspectos relevantes para a compreensão da Guerra de Canudos: a terra, o homem e a luta.

O autor descreve os sertões, palco dos acontecimentos, com uma visão muito determinista, mas com uma rica e profunda abordagem geográfica.

Ao abordar o homem sertanejo, Euclides faz uma exposição antropólogica com a sensibilidade literária presente nos romances. Ele descreve o jagunço como alguém sólido e persistente, com uma resiliência moldada pelas condições de vida nos sertões.

Na narrativa da batalha, podemos apreciar um texto histórico-jornalístico que tem um alto valor para os estudos sobre esse conflito. Euclides, que já havia estudado muito sobre canudos, ao realizar um trabalho de campo, percebe a complexidade presente em toda a situação. Isso reflete-se nas descrições finais que demonstram até certa admiração pela a retidão dos sertanejos.

Euclides construiu um trabalho excelente e muito rico sobre um dos conflitos do início da república brasileira. A obra consegue fluir por diversos campos de estudos com um teor de documento, mas sem perder a liricidade e a beleza literária. Uma leitura que te desafia e te enriquece a alma, o intelecto e a compreensão acerca de nossa sociedade.
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Alan360 03/09/2020

Sofri mas sobrevivi
O arsenal vocabular utilizado por Euclides é intimidador. Muitos trecho são cansativos e maçantes. Outros são muito envolventes e poéticos. Meus trechos favoritos são a história de Antônio Conselheiro e a parte final do livro que conta o desfecho da guerra. Certamente é uma grande obra mas não é pra mim.
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Pereira 08/11/2011

Determinismo
Esta obra é escrita em liguagem arcaica e acadêmica. Por isso o comprometimento com a leitura é essencial naquele que começa a desgutar este livro. A parte que descreve o ambiente em que acontece a história e extremamente técnica e monótona. Interessante a parte que trata do homem. É uma abordagem determinista (meio, raça e momento) que tem muito a ver com a visão de mundo que compartilho. Quando ele entra no encerramento descrevendo as batalhas travadas entre o governo e os "bandidos" a leitura mantém a sua dinâmica. Leitura obrigatória para quem quer entender melhor o Brasil de hoje. Nossa história é recheada de pormenores que enriquecem nossa visão sobre este país do qual eu não tenho orgulho de pertencer!
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